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Novos mares para Santoro

Por Leonardo Sanchez (Folhapress)

Rodrigo Santoro não ficou completamente entediado nos primeiros meses da pandemia, quando os sets de filmagem estavam fechados. Ao longo de nove meses, ele teve a companhia de alguém morto há 500 anos, o navegador português Fernão de Magalhães, para se distrair.

Pouco antes de a quarentena começar, no finzinho das filmagens de seu último longa, "7 Prisioneiros", Santoro havia sido convidado para participar de "Sem Limites". Com a interrupção da indústria por causa da doença, as filmagens da série foram sendo adiadas incessantemente, o que deu ao ator a possibilidade de fazer um mergulho completo na biografia do personagem.

É com certa paixão que ele fala de Fernão de Magalhães - não em tom de admiração, mas como um amigo que sente uma conexão íntima com o outro. "Eu fiquei literalmente confinado com ele durante a quarentena", conta Santoro.

"Antes, só lembrava que ele havia sido um navegador. Mas aí decidi explorar a intimidade de quem foi esse homem e li até demais. Li tudo o que existe na internet, de discussões de filósofos a reconstituições de expedições, assim como duas biografias e muito sobre o contexto da época. Eu queria entrar na cabeça de um homem de 1500."

Santoro pesquisou tanto que descobriu até detalhes da infância do português, por meio de documentos não digitalizados e conversas com uma historiadora que prepara um livro sobre Fernão de Magalhães, um homem que se sentia negligenciado pelo rei.

"Ele vem do ressentimento, do orgulho ferido, e cresce se sentindo abandonado, precisando provar para o mundo e para si próprio que tem valor."

Uma produção espanhola, "Sem Limites" conta a história da primeira circum-navegação do globo, em 1519, a serviço dos espanhóis. Liderada por Fernão de Magalhães, que não havia conseguido patrocínio do rei português, e por Juan Sebastián Elcano - Álvaro Morte, de "La Casa de Papel" -, a empreitada descobriu uma nova rota para o comércio de especiarias e provou que a Terra é redonda.

Por ser brasileiro, Santoro tomou cuidado para não romantizar a época das grandes navegações, já que delas saiu a exploração das Américas e incontáveis horrores. Para o ator, foi interessante trabalhar em "Sem Limites" porque pôde notar como pouco mudou na estrutura da sociedade brasileira de lá para cá.

"A colonização não acaba quando os portugueses partem. A mentalidade implantada aqui é tão forte que eles partem e nós continuamos colonizando uns aos outros."

"Infelizmente, nós ainda vivemos o fruto dessa violência colonial. É uma das questões que nos ajudam a entender o momento atual do país. A gente acabou de ver uma tragédia, com a morte do Bruno Pereira e do Dom Phillips. Olhar para isso é desesperador. É preciso ter esperança, mas está difícil, muito difícil", continua, na conversa que aconteceu dias após a confirmação do assassinato do indigenista brasileiro e do jornalista britânico.

Mas Santoro parece ansioso para voltar a falar da série, trabalho que ele compara a grandes produções de Hollywood, com suas cenas marítimas grandiosas, ação inquietante e uma direção de arte atenta aos detalhes. A direção é de um britânico, Simon West, de "Tomb Raider".

Com ele e os produtores, Santoro encampou uma briga ferrenha, na qual defendeu que seu Fernão de Magalhães deveria falar português em alguns momentos. Eles não queriam, por padronização, mas foram convencidos.

O ator, então, precisou sair da zona de conforto em dose dupla -não apenas teve de aprender a falar o português europeu, como também o castelhano, já que o espanhol que sabia era carregado de sotaque latino-americano. "Puxaram meu tapete, mas era preciso respeitar a história", diz.

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