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Páscoa rima com bacalhau

O vinho é a bebida que melhor harmoniza com o bacalhau, mas a escolha das uvas está relacionada aos ingredientes e modos de preparo do pescado | Foto: Divulgação

Por Affonso Nunes

Com a proximidade da Semana Santa, volta também a tradição de preparar bacalhau na ceia da Sexta-feira Santa. Embora existam hoje opções práticas, como o peixe já dessalgado e congelado, muitos ainda preferem seguir o rito original: comprar o bacalhau salgado e cuidar pessoalmente do processo de dessalgue, etapa essencial para garantir sabor e textura ideais.

Mais do que um ingrediente, o bacalhau carrega séculos de história. Sua fama começou a se consolidar na Europa medieval, quando os métodos de conservação — como a salga e a secagem — permitiam que o peixe cruzasse oceanos e chegasse a mercados distantes sem perder qualidade.

Os portugueses logo se tornaram os maiores entusiastas desse pescado, desenvolvendo uma relação afetiva e gastronômica que dura até hoje. Era o "fiel amigo", presente à mesa mesmo nos dias de jejum religioso, quando o consumo de carnes era proibido. No Brasil, esse costume foi herdado e adaptado, principalmente em datas como a Páscoa e o Natal.

Seja o legítimo Gadus morhua — o tipo mais valorizado, originário da Noruega — ou variantes como saithe, ling ou zarbo, o primeiro passo para o preparo é sempre o mesmo: eliminar o excesso de sal. O procedimento exige apenas atenção, tempo e alguns cuidados simples. Primeiro, é preciso lavar o peixe sob água corrente para remover a camada externa de sal. Em seguida, ele deve ser colocado em uma vasilha com água fria — de preferência com gelo — e mantido na geladeira. O frio constante ajuda a conservar o alimento e acelera o processo, preservando suas características.

A proporção ideal é de duas partes de água para cada parte de bacalhau. Durante o período de dessalgue, recomenda-se trocar a água pelo menos duas vezes ao dia. Sempre que possível, use uma nova vasilha limpa para evitar a reutilização de resíduos acumulados.

O tempo necessário para completar o dessalgue depende da espessura das postas. Peixes mais finos exigem poucas horas de molho, enquanto cortes mais grossos podem demorar dias. Um bom indicativo de que o processo foi bem-sucedido é o sabor da última água (que deve estar neutra) e o gosto da parte mais espessa da posta (que deve estar apenas suavemente salgada).

Depois de dessalgado, o bacalhau ganha cerca de 30% em peso e volume. Pode então ser congelado novamente, o que permite organizar o preparo com antecedência e praticidade.

Para acompanhar esse prato, o vinho é, sem dúvida, a escolha de bebida mais certeira. A harmonização ideal depende do modo de preparo. Receitas com azeite, alho e batatas pedem vinhos brancos mais estruturados, como o Alvarinho ou o Encruzado, típicos portugueses. Já pratos com natas, creme de leite ou queijos combinam bem com brancos encorpados, como o Chardonnay com passagem por barrica. Se a receita incluir tomate, a acidez do molho harmoniza melhor com tintos leves e frutados, como o Pinot Noir ou um bom Dão português. Para versões assadas mais rústicas, o tinto do Vale do Douro com uvas como Touriga Nacional ou Tinta Roriz são escolhas clássicas.

Independentemente da receita, o segredo é buscar equilíbrio entre o sal do peixe, os ingredientes da preparação e o estilo do vinho — criando uma combinação que respeite a tradição e valorize o paladar.