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Uma viagem que mudou a trilha da literatura brasileira

Por Isac Godinho (Folhapress)

Há pouco mais de 70 anos, em maio de 1952, o escritor mineiro João Guimarães Rosa realizou uma expedição pelo sertão de Minas Gerais que marcou toda a sua produção literária a partir dali, principalmente os livros "Corpo de Baile" e sua principal obra, "Grande Sertão: Veredas", ambos publicados em 1956.

Um dos principais nomes da literatura brasileira, o escritor soube contar histórias do sertão e do povo sertanejo como poucos. O autor valorizava os detalhes para criar uma aproximação do leitor com as realidades por ele narradas.

Com uma caderneta no pescoço, montado em uma mula de nome Balalaica, Guimarães Rosa passou dez dias acompanhando uma comitiva de sertanejos. Eles levavam uma boiada da fazenda Sirga, em Andrequicé, um distrito de Três Marias (MG), até a cidade de Araçaí, próxima de Cordisburgo (MG), cidade natal do escritor.

Neste ano, Cordisburgo, celebra os 70 anos da Boiada, durante a 34ª Semana Rosiana. O evento, que foi criado pela Academia Cordisburguense de Letras Guimarães Rosa, tem o objetivo principal de estudar e exaltar a obra do filho mais ilustre da cidade.

"A semana tem um significado muito importante para a cidade, porque a gente recebe pessoas de várias partes do Brasil. São estudiosos, pessoas que já têm um contato e também novos leitores da obra Rosiana. É um evento que motiva cada vez mais pessoas a tomarem conhecimento da obra do Guimarães Rosa", afirma Ronaldo Alves, coordenador do Museu Casa Guimarães Rosa.

Uma das principais atrações do evento é a exposição "70 anos da viagem de 1952", com imagens feitas durante a boiada pelo fotógrafo Eugênio Silva, da revista O Cruzeiro. Silva acompanhou os últimos dois dias da viagem, que teve um trajeto de 240 quilômetros pelo interior de Minas.

Segundo Mônica Gama, professora de teoria da literatura na Universidade Federal de Ouro Preto, é importante destacar que a viagem não foi um passeio, era um trabalho metódico de observação e anotação.

As transcrições das anotações feitas por Rosa foram publicadas em 2011, com o título de "A Boiada". De acordo com Gama, o escritor era um pesquisador, que valorizava os detalhes e tomava nota de tudo que via e ouvia, desde a paisagem e os animais até os causos e lendas da região.

"É muito importante que a Semana Rosiana faça essa homenagem e retome essa viagem, porque ela foi essencial para tudo que o Guimarães produz depois", diz ela.

"Quando a gente está lendo os textos, temos a sensação de estar de fato conversando com um vaqueiro, com um sertanejo. Esse tipo de realismo que ele produz, ele conseguiu em grande parte por ter se colocado nessa posição de pesquisador e ter essa experiência em campo", diz a professora.

O pesquisador Frederico Camargo, do Arquivo Guimarães Rosa do Instituto de Estudos Brasileiros, diz que principalmente as novelas que compõem o livro "Corpo de Baile", estão fortemente marcadas pelas anotações feitas pelo escritor durante a boiada.

Um dos textos, a novela "Uma Estória de Amor", é protagonizada pelo vaqueiro Manuelzão, que liderou a expedição de 1952. A história é inspirada na festa da inauguração de uma capelinha na fazenda de onde saiu a viagem.

"A boiada foi marcante para o Guimarães Rosa, porque definiu o que ele ia fazer da vida. Ele abraça e adota como missão continuar escrevendo sobre esse interior de Minas, esse sertão. E não só escrever sobre, mas valorizar aquelas pessoas e aquele lugar", afirma Camargo.

A 34ª Semana Rosiana de Cordisburgo vai até o próximo sábado (16), na cidade natal de Guimarães Rosa. Além da exposição de fotografias da boiada, a programação também inclui peças teatrais, contação de histórias, lançamentos de livros e caminhadas literárias em homenagem ao escritor e sua obra.

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