Por:

'Sempre tive uma mochila nas costas cheia de livros de poema'

Uma das vozes mais audazes da poesia nacional desde os anos 1990, Carlito Azevedo abre turma online para dissecar os abalos sísmicos da arte | Foto: Divulgação

Por Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Xará do herói lúmpen de Charles Chaplin em seu pseudônimo de guerra, Carlos Eduardo Barbosa de Azevedo, o Carlito, dá tinta e alma a suas inquietações escrevendo análises sobre o viver em forma de versos como estes: "Rói qualquer possibilidade de sono/ essa minimalíssima música/ de cupins esboroando tacos sob a cama. Ganhador do cobiçado prêmio Jabuti já em seu livro de estreia, "Collapsus Línguae", de 1991, o autor de joias como "Monodrama", de 2009, atualmente reage aos ruídos do mundo não só pela escrita, mas também dando aulas. Esta noite, às 18h30, ele inaugura a terceira das três oficinas de poesia que vai ministrar online, consecutivamente, via www.7letras.com.br/eventos/. As inscrições podem ser feitas na URL acima ou via editora@7letras.com.br. nas aulas, o poeta egresso da Ilha do Governador aborda as mais variadas vozes do planisfério lírico, mas aposta sobretudo na arte de saber ouvir.

Nesta entrevista para o Correio da Manhã, Carlito explica que alumbramento gera uma estrofe como esta, de seu poema "Nova Passante":

"talvez / um poeta afogado num / danúbio imaginário dissesse / que seus olhos são duas / machadinhas de jade escavando o / constelário noturno: / a partir do que comporia / duzentas odes cromáticas / — mas eu que venero (mais que o ouro verde / raríssimo) o marfim em / alta-alvura de teu andar em / desmesura sobre uma passarela de / relâmpagos súbitos, sei que / tua pele pálida de papel

pede palavras / de luz".

Qual é o lugar estético da poesia num tempo digital onde o celular virou nosso oráculo?

Carlito Azevedo: O francês George Perec dizia que não devemos mais fazer perguntas aos céus ou aos oráculos, em lugar disso, poderíamos fazer perguntas às nossas roupas, colheres, paredes. Que felicidade saber que essas coisas nunca nos responderão. E o lugar da poesia pode ser aquele situado justamente entre nossas perguntas e o tremendo silêncio do mundo a elas.

Que movimentos mais se destacam hoje na poesia brasileira?

Entre tanta coisa que se destaca pela visibilidade e popularidade conseguida e merecida, eu me permito utilizar essa resposta para louvar certa poesia que se destaca por sua discrição, quase invisibilidade, pelo seu caráter irreconciliado com a necessidade de views e likes e redes. Sua subversão já começa por aí.

Que foco estético o seu curso dá à fabricação de versos? O que ler pra escrever?

Penso que minha função na oficina de poesia é ouvir, muito mais do que falar. Ouvir a sério, ouvir muito, tentar perceber o que se ouviu e então elaborar algum esboço de sugestão a partir do que se ouviu. Não creio que eu possa tecer comentários tão gerais que sirvam para todos. Na oficina levo poetas da Romênia, do Marrocos, da Venezuela, da França etc, e lanço essas partículas poéticas no acelerador de partículas que existe dentro da cabeça de qualquer poeta. Cada um e cada uma acaba percebendo quais partículas provoca melhores e mais produtivas colisões em sua mente.

Que caminhos históricos e estéticos te fizeram poeta?

Aos sessenta anos, eu me deitei pela primeira vez num divã, depois de uma fase de grande sofrimento. E o que de mais impressionante a psicanálise me deu foi uma revisão completa daquilo que eu chamava "os caminhos que me trouxeram até aqui". Onde eu via trilha segura e consciente, hoje só vejo deslizamentos, abalos sísmicos, selva selvagem, áspera e dura, terra devastada. E isso não só na dimensão literária, mas por mais estranha que tenha sido a travessia, sempre tive uma mochila nas costas, cheia de livros de poemas.