Meu caminho é inesperado. Já disse outras vezes que me tornei Fluminense por causa do nome, da palavra, ao contrário de muitos que se encantaram pelo escudo e pelas cores. Sempre preferi os dias nublados do mar de Copacabana - e muitas vezes ansiei pelo gris, a chuva, a silenciosa porta do Atlântico repleta de silêncios e reflexões.
Quando todo mundo foi estudar Direito, Engenharia, Economia ou Informática eu escolhi Estatística, que ninguém sabia o que era e até hoje a maioria não tem a menor ideia - gente diplomada mas severamente ignorante acredita ser chute, teu Deus!
Eu gostava de ficar no hall da faculdade. Muitas vezes e muitas vezes, desde o meu primeiro dia de matrícula, quando fiquei em silêncio aguardando minha vezÁ na primeira matrícula numa tarde nublada e de pouca luz. Foi um exercício que se repetiu muitas vezes. Sem falsa modéstia, meu carisma reuniu dezenas de pessoas naquele lugar muitas e muitas vezes, de onde saíram amizades, casamentos, separações, sociedades, traições, desentendimentos, lágrimas, abraços, beijos, gritos de gol e, porque não dizer, livros. Livros.
Lembrei das garotas me adoravam também porque eu era muito divertido e criativo - as mulheres adoram isso - e, onde há garotas, há sujeitos pelos mais variados motivos. Meus amigos bichas também me adoravam - adoram até hoje e isso é recíproco - e posso chamá-los de bichas à vontade porque assim eles querem - não somente pelo meu carisma mas também porque sempre os tratei com respeito e dignidade num ambiente arriscado a machismo e homofobia. Enfim, fiz muitos colegas e a maioria se perdeu, mas ainda tenho alguns para recontar as histórias.
Era um outro tempo muito difícil de minha vida, então era bom ter os colegas em volta. Eu precisava de convívio humano ali e foi muito bom, mas em muitas ocasiões ficava sozinho com meu caderno e prancheta laranja de acrílico. Espiava o ir e vir das gentes, as garotas, os funcionários, os desconhecidos subindo e descendo as rampas, gente indo e vindo como se estivessem participando de um grande filme cheio de cenas, a começar pelo primeiro dia em que cheguei ali, sonhando em estudar, conseguir um emprego e sair da miséria, ter uma casinha. Às vezes ficava uma hora em silêncio até que surgisse alguém, às vezes mais. Um silêncio tão poderoso e pacífico quanto o que vivo neste momento, numa manhã de sábado chuvosa no coração do Rio de Janeiro, sem lenço e sem documento, enquanto alguém que me desconhece poderá entender exatamente o contrário do que eu quis escrever aqui.
Nem tudo é reflexão e seriedade. Há também o jocoso e o ridículo, também recíproco e capaz de também fazer pensar. Nós, calouros, respeitávamos os veteranos. Eles pareciam respeitáveis, mesmo vestidos duvidosamente. Certa vez era bem cedo e um deles foi ao banheiro ao lado do hall silencioso. Não saiu. Algum tempo depois, precisei também por causa do pipi. Entrando, fui ao primeiro box. Do segundo, saíam urros e gemidos sugerindo um orgasmo. Tive vontade de rir, eu tinha vinte anos. O sexo abobalha. Contudo, o fedor do banheiro não sugeria tesão nem a presença de um casal ali. Saí, lavei minhas mãos e voltei para o hall deserto, em dia tão nublado como hoje. Meia hora depois, chegou o Bolinha. Subitamente o veterano saiu do banheiro de maneira impecável, sem acompanhante rumo à sala de aula. Contei o ocorrido e nós dois rimos a valer. Parecia orgasmo, mas era dor de barriga.