Por: Olga de Mello | Especial para o Correio da Manhã

Os entusiasmantes sotaques latinos

Coluna Livros 17/11/2023 | Foto: Divulgação

As vozes dos povos têm mais semelhanças do que expressam idiomas e infinitos sotaques. A cultura se entranha na forma de boa parte de seus escritores, o que se notabiliza, geralmente, em biografias. As confidências de duas escritoras italianas podem provocar a mesma reação de enlevo nos leitores. Os textos de ambas as Teresas - Cremisi, uma jornalista que recusou a classificação de autobiografia para A triunfante (Ayiné, R$ R$ 20,90 - a editora está fazendo uma excelente promoção para reduzir seus estoques), um romance "inspirado", em sua vida, e Ciabatti, que apresenta personagens exuberantes ao reconstruir a trajetória de sua família em A mais amada (Ayinê, R$ 39,95) — são totalmente arrebatadores. Daqueles que quase impedem desempenho de tarefas cotidianas para a entrega absoluta à leitura.

As duas descrevem suas diferentes experiências com um entusiasmo cativante, uma tradição que escritoras italianas mantêm desde Elsa Morante. Enquanto a filha única Teresa Cremisi cresceu no Egito dentro de família harmoniosa, Teresa Ciabatti participou de um núcleo familiar agitado. O pai, diretor de um hospital em Orbetello, na Toscana, era figura importante na região, de ligações políticas e com a contravenção insinuadas, porém desconhecidas para a mulher e os filhos.

Apesar de seus questionamentos quanto à real identidade do pai, médico de origem humilde com especialização em hospitais norte-americanos - quem teria custeado esses estudos? —, sequestrado à mão armada na frente dos filhos — crime jamais esclarecido ou registrado —, tratado como um aristocrata por seus subordinados e pela população da cidade provinciana, Teresa Ciabatti dedica a ele seu livro, no qual apaga ao máximo a figura do irmão gêmeo e oblitera a da mãe, uma anestesista que sofre de depressão, apaixonada pelo marido bem mais velho, um adúltero contumaz.

Teresa Cremisi, que escolheu viver na França, enfrenta a falta de pertencimento comum tanto aos filhos únicos quanto aos estrangeiros em solos não-nativos. O romance é dedicado aos pais, com quem manteve uma relação intensa, apesar da solidão de menina sem irmãos, que se fortalecia pela leitura de inadequados sociais como Josef Conrad e Lawrence da Arabia, tornados referências pessoais. A Triunfante do título está longe de ser a protagonista. É o nome de uma corveta do século XIX, cuja imagem a narradora relaciona à inquietação dos embarcados distantes da segurança da terra firme.

Há três anos, a Câmara Brasileira do Livro criou a categoria "romance de entretenimento" no Prêmio Jabuti, que seria destinado a narrativas que prendem o leitor pelo enredo, não pela arte no uso da língua. A distinção é um tanto preconceituosa, mas se adequa com perfeição a Três (Intrínseca, R$ 89,90), da francesa Valerie Perrin, que aborda uma amizade ao longo de trinta anos e vai agradar em cheio quem procura uma leitura agradável e nem tão escapista assim. Nina e os garotos Étienne e Adrien tornam-se inseparáveis até a idade adulta, quando saem em busca de ideais próprios. Ao se reencontrarem, voltam a se entender quase por instinto, prontos a defenderem uns aos outros diante de preconceitos e crises diversas. Autora do best-seller Água fresca para as flores, Valerie Perrin, que colaborou em quatro roteiros de filmes de seu marido, o cineasta Claude Lelouch, monta uma história delicada e romântica, que revela gradualmente os segredos de cada protagonista.

 

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