Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

ENTREVISTA / ANA PAULA TAVARES, POETA E ENSAÍSTA | 'Foi o aprendizado recebido de outras mulheres que me iniciou nas voltas da vida'

Destaque da nova poesia em língua portuguesa, a angolana Ana Paula Tavares admira os autores brasileiros | Foto: Divulgação

Quarta que vem a poesia angolana terá um dia de gala no Centro Cultural Banco do Brasil, com a visita de uma dama da lírica: Ana Paula Tavares. Embora o livro escolhido pelo Clube de Leitura do CCBB-RJ a ser debatido em sua última edição de 2023 (às 17h30 do próximo dia 6) tenha sido "Manual Para Amantes Desesperados" (2007), versos de um outro livro da poeta e ensaísta de 71 anos - o belo "Ritos de Passagem" - caem como uma luva para apresenta-la (ou reintroduzi-la) à massa leitora do Correio da Manhã:

"Desossaste-me / cuidadosamente / inscrevendo-me / no teu universo / como uma ferida / uma prótese perfeita / conduziste todas as minhas veias / para que desaguassem / nas tuas / sem remédio / meio pulmão respira em ti / e outro, que me lembre / mal existe".

Doutora em Antropologia da História pela Universidade Nova de Lisboa (2010), Mestre em Literatura Brasileira e Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, ela publicou pérolas como "O Sangue da Buganvília" (1998), "O Lago da Lua" (1999), "Dizes-me Coisas Amargas Como Os Frutos" (2001), "Ex-Votos" (2003), "A Cabeça de Salomé (2004), "Os Olhos Do Homem Que Chorava No Rio" (de 2005, feito em parceria com Manuel Jorge Marmelo) e "Como Velas Finas Na Terra" (2010). Na entrevista a seguir ela explica sua mirada sobre a resiliência das mulheres.

Qual e quão feminina é a Angola dos teus versos e o quanto ela amplia os significantes e significados semióticos da palavra "mulher"? Que registros de uma literatura angolana de outrora te espreitam na escrita?

Ana Paula Tavares: Procuro dizer Angola de todas as formas possíveis deixando que o eco das palavras se entreteça de uma memória antiga fundadora e, ao mesmo tempo, com os pés bem assentes na terra adivinhar o futuro. Assim, a geografia é feita de sul e Angola amplia esse sentimento de pertença, que me permite escutar para só depois dizer. O verso declina-se sob a razão de Angola, uma forma de existir e escrever.

Entendo que "andar no arame não é próprio para desertos", como a senhora afirma num de seus versos. Mas por que arames a poesia angolana atravessa? Que arames estão aos pés do teu país num projeto de nação, para além dos ranços coloniais?

A poesia angolana segue o seu rumo. As gerações mais novas afinam a sua dicção por caminhos que às vezes não conheço e estranho. Fico contente ao ver que, no meio de tanta aflição, as mulheres encontrem o equilíbrio (sobre e sob arames) para pôr dedos nas feridas da violência da subalternidade, da fome. Servindo-se da escrita ou da oralidade (a nova oralidade do universo do Spoken Word) estas mulheres caminham em direção à sua própria voz e à luta pela nova libertação: o fim da sociedade patriarcal, injusta e difícil.

Qual é o lugar da maternidade, do desejo, do empoderamento no teu "Manual Para Amantes Desesperados"?

Ainda que longe do enunciado (por vezes), eu não podia ter chegado a esses pequenos versos sem a maternidade, a condição da mulher, o conhecimento dos lugares do desejo real e metafórico. É como mulher que vejo o mundo, foi o aprendizado recebido de outras mulheres que me iniciou nas voltas e voltas da vida. O "Manual..." é no sentido do que se faz com as mãos e as mulheres endireitam com as mãos a vida à volta mesmo se isso custa sacrifício, dor e sofrimento. Sonhava uma nova arrumação do mundo. Não a ter conseguido não implica deixar de lutar por isso.

Qual é a poesia brasileira que hoje mais te instiga e mais te atrai? Que vozes femininas hoje disparam na literatura lusófona?

A poesia brasileira foi sempre água, remédio e caminho. Também nos poetas homens, de Drummond a Manoel de Barros... ou João Cabral de Melo Neto. As vozes femininas que tomam conta de mim são: Adélia Prado, Ana Cristina César, Hilda Hist, Conceição Evaristo. A poesia surpreende-me sempre e as novas vozes que ando a ler também, como Warsan Shire e tantas outras poetisas africanas como Conceição Lima.

 

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