Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Fala que a Mariza Gualano te escuta

Mariza Gualano: 'A essência do livro é não apenas ser um registro das citações curiosas ou para efeito de pesquisa, mas, principalmente, um gatilho para levar o leitor a ver ou rever os filmes' | Foto: Divulgação

Usina viva de criação literária, Mariza Gualano faz da arte da escuta sua forma de se relacionar - por escrito - com o cinema, expressa por meio de inventários afetivos de diálogos que fazem um filme se tornar imortal no imaginário (e no coração) da gente. "Pérolas Brasileiras", que ela lança nesta quarta-feira, às 18h, no Estação NET Rio, é fruto de uma pesquisa detalhada sobre falas que se tornaram lendárias em nossas telas.

Vai desde o "Só sei que foi assim", de Chicó, em "O Auto da Compadecida" (2000), ao indelével "Você não é Caveira!", vomitada por Capitão Nascimento sobre seus aspiras em "Tropa de Elite" (Urso de Ouro de 2008). Sua triagem passa por cults como "O Homem da Capa Preta" (1986), num duelo de deputados (Carlos Gregório e José Wilker) no qual se ouve: "Eu sou o câncer que mata. Você é a lepra que deforma sem matar".

Passa ainda por ensaios estéticos que venderam milhões de ingressos, como "Eu Te Amo" (1981), no qual Sonia Braga diz a Paulo César Peréio: "Eu não sei se a minha vida dava um romance ou uma chanchada épica". Tem muita tirada de efeito, como "Eu parto do pornográfico para chegar ao lúdico", dito por Carlos Casan em "A Ilha dos Prazeres Proibidos" (1979). Tem também muito fraseado reflexivo, caso de "O ideal de um homem seria trabalhar de graça e viver de esmola", disse Lélia Abramo em "Maldita Coincidência" (1979). Não lhe faltam verdades, tipo a frase de Silvio Guindane em "De Passagem" (Melhor Filme no Festival de Gramado de 2003): "O difícil da vida é que todo mundo tem suas razões". Trocando em miúdos: ouve-se o Brasil na coleta de La Gualano.

"A essência do livro é não apenas ser um registro das citações curiosas ou para efeito de pesquisa, mas, principalmente, um gatilho para levar o leitor a ver ou rever os filmes", diz Mariza. "Tento despertar o interesse através de uma frase ou diálogo daquela produção e ainda buscar a filmografia de atores, diretores, roteiristas mencionados na obra. Essa é a ideia e tem sido meu maior e melhor retorno".

Escolada nas manhas da produção nacional na finada distribuidora Embrafilme, onde trabalhou na Superintendência Comercial, na área de Publicidade, da gigante que fez o Brasil ocupar o circuitão de 1970 a 1990, Mariza integrou a curadoria do Cineclube Macunaíma da Associação Brasileira de Imprensa e sempre participa dos debates audiovisuais do Estação. É mãe de uma escritora: Nani Gualano, autora de "Oz Revolution: Quadling Awakening". É cunhada de um dos mais revolucionários educadores do Rio de Janeiro - Márcio Maya, que lecionou Literatura no subúrbio carioca nos anos 1990, transgredindo limitações do ensino nos moldes do professor vivido por Robin Williams em "Sociedade dos Poetas Mortos" (1990). Mas, genealogias à parte, Mariza tem voz própria: seus estudos são essenciais à fortuna crítica de nosso cinema.

Seu olhar para a produção cinematográfica é inclusivo, valorizando sempre a dimensão autoral de cineastas das mais variadas gerações. Não por acaso, o mestre Domingos Oliveria, que partiu em 2019, sem pedir licença à nossa saudade, figura em "Pérolas Brasileiras" com um desabafo de seu personagem, o dramaturgo Cabral, em "Separações" (2002): "Essa de artista é uma coisa que eu inventei para não acordar cedo todos os dias".

"Vou ao cinema desde os 5 anos de idade. Adorava as chanchadas da Atlântida a que assistia na televisão. Depois veio o Cinema Novo que me arrebatou. Mas, para mim, a produção de maior impacto na época foi 'Deus e o Diabo na Terra do Sol', de Glauber Rocha. Nunca havia visto nada parecido, e acho que o mundo cinematográfico também não", diz Mariza, que de 2002 até 2023 lançou "Ouvir Estrelas"; "Quanto Mais Quentes Melhor"; "Royale Com Queijo"; "Mensagens Para Você"; "Short Cuts -Cenas da Vida de Cinema" e o badalado "Para Fellini, Com Amor", ilustrado por Roberta Maya. "Nunca mais deixei de amar o cinema brasileiro. Hoje, eu me encanto ainda ao ver trabalhos tão diferentes, tanto na forma quanto no conteúdo".

 

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