Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

'O maior desafio é convencer alguém a ler o primeiro verso', conta Pedro Paulo Cristofaro

Pedro Paulo Cristofaro, poeta | Foto: Leo Aversa/Divulgação

"Se não houver noite/ fecha meus olhos/ do tempo/ apaga os vestígios/ esconde os meus lábios/ com os seus/ e me aquece pra sempre" é uma estrofe daquelas que transformam abraço em abrigo, numa metamorfose que alumbra a escrita de Pedro Paulo Salles Cristofaro. Frases sobre a mania que as pessoas têm de gostar de alguém é um dos múltiplos movimentos líricos da aeróbica poética do autor nas páginas de "Entre Dois Silêncios" (ed. Ouro Sobre Azul), recém-chegado ao mercado editorial.

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Pedro Paulo Cristofaro, poeta | Foto: Leo Aversa/Divulgação

O livro, já à venda, é um dos achados do garimpo do verso de 2023, ano de fôlego para poetas de prestígio (Claudia Roquette-Pinto, Eucanaã Ferraz, Fabrício Corsaletti, Fred Caju, Aline Motta, Carlos Cardoso, Eva Potiguara). Advogado com larga estrada de serviços prestados à Justiça, professor de Direito Econômico da PUC-RJ, ele se une a essa seleção de bambas. Sua aventura pelo universo do verso investiga os limites da palavra. Na entrevista a seguir, Cristofaro discute que papel a arte espera de quem faz poemas.

Quando você escreve os versos "Quero amor/ pequeno mergulho/ não o sufocado afogar/ das paixões", qual é o lugar do querer (o bom e velho benquerer) nos seus versos? Ainda existe lugar para poemas de amor no mundo de hoje? Qual?

Pedro Paulo Salles Cristofaro: Acho que nos versos, em quaisquer versos, de qualquer poeta, pode caber tudo, o feio, o bonito, o mal querer, o bem querer. E, como nos meus versos, o benquerer pode ter sentidos diversos, do pequeno amor ao amor pra sempre, do amor miragem ao amor destino, do amor que se abraça, no passo a passo, ao amor de ontem que se desfaz sem adeus. Como já disseram melhor do que eu, qualquer maneira de amor vale a pena. Mas a verdadeira pergunta é se existe lugar para o amor no mundo de hoje. Eu espero que sim.

De que forma o Direito afeta o poeta em você e de que modo esse rapsodo que você virou afeta o jurista que é? Como os dois mundos se equacionam?

Se você me perguntasse o que é poesia e eu lhe respondesse que é um fenômeno poliédrico, que terá definições diversas dependendo do perfil pelo qual você o encare, minha resposta faria sentido. Eu estaria plagiando uma definição jurídica de um professor italiano para um fenômeno econômico. De certa forma, tanto o Direito quanto a Poesia me levam a ver o mundo - ou a tentar ver o mundo - de diferentes perspectivas, de diferentes prismas, em seus diferentes perfis. Por outro lado, em cada bilhete, em cada carta e em cada verso que escrevo (e mesmo nestas respostas) preciso me esforçar para não cair nos cacoetes do juridiquês. Do ponto de vista formal, o Direito atrapalha a poesia, e a poesia ajuda o Direito.

Qual é o maior desafio de se publicar poesia hoje? Que mercado existe? A correção política atrapalha o lirismo? Se sim, como?

Temo que as pessoas olhem com algum preconceito para a poesia, como se ela fosse uma arte mofada, antiga, empolada, difícil de entender. Ou melosa, grudenta, cafona. Mas a poesia não é uma só: tem poesia boa para todos os gostos. O maior desafio é convencer alguém a abrir o livro, a ler o primeiro verso, a procurar uma poesia pra chamar de sua. Se a gente parar pra pensar, neste mundo, com tanta pressa, a poesia deveria ser um best-seller. Afinal, mesmos alguns versos geniais cabem no ex-twitter ou no tik tok. Quanto à correção política, se ela se transforma em censura ou em autocensura, ela limita toda forma de arte.

"Olhar com a urgência do primeiro olhar" é um dos seus versos que mudam o lugar comum do verbo, emancipando palavras. Como funciona essa relação com os verbos de ação e com os sentimentos por trás desses verbos? Que personagens alimentam esses movimentos? O quanto desses personagens são você?

Eu confesso que não sei responder. Mas eu me conheço e sei que vou ficar remoendo sua pergunta um bom tempo. Acho que vou até lhe pedir pra você me perguntar de novo daqui a uns seis meses. Ou vou pedir pra você me dizer o que você acha. Apenas em relação à parte final, eu repetiria as palavras de "Estantes": "não espere me encontrar / em palavras que se escondem / nas estantes em silêncio. Sou eu, sou outro, sou ele / poeta personagem da poesia / que revela / uma miragem de memórias inventadas/ guardadas pra sempre".

De que forma a sua escolha vocabular - especialmente encantadora em "Credo", "Inutilidades" e "A Cidade" - reflete o seu histórico de leitor de poemas? Que poetas te arrebatam?

Antes de ser leitor, eu era ouvinte. O que primeiro me arrebatou foi a música, os discos da coleção do meu pai, as letras, as construções de Chico, as desconstruções de Caetano. Eu vejo o impacto dos dois em mim tanto na "Cidade" quanto no "Credo". Em muito do que escrevo, encontro a marca dos compositores. Como digo em "Chanson", sou "chico tom / adriana roberto / marisa caetano / rita Gilberto". "Inutilidades" é mais explícita nas referências ao que me comove e que está na base de meus versos: a música em múltiplas formas e a poesia de Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira.

 

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