Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Com o Sertão nas pupilas

'Territórios', a nova incursão de Walter Carvalho dialoga com exposição homônima, em cartaz no Museu da Fotografia, em Fortaleza | Foto: Divulgação

Cada página do livro de fotos "Territórios", recém-chegado às prateleiras da Travessa aqui no Rio e em São Paulo, lembra um filme que seu autor, Walter Carvalho, costuma citar entre as narrativas que oxigenaram seu olhar: "A Eternidade e um Dia" (Palma de Ouro de 1998), do grego Theo Angelopoulos (1935-2012).

Não é papo de cinéfilo, mas, sim, filosofia: "O que me inquieta é o porvir. O que não conheço me inquieta e me desafia", diz Carvalho, que faz de sua mais recente incursão ao mercado editorial um diálogo com a exposição homônima em cartaz no Museu da Fotografia de Fortaleza.

Quando Angeopolous morreu, num atropelamento, o artista visual paraibano sentiu que a noção de "pra sempre" buscada pelo cinema em filmes autorais estava em risco, assim como o tal "porvir" que tanto valoriza. Mesmo assim, seguiu emprestando seu olhar à indústria audiovisual, em filmes premiados como "Redemoinho" (2016) ou em novelas de sucesso da TV Globo, onde está trabalhando agora, como diretor, no remake de "Renascer".

Contudo, nunca deixou de lado sua obra fotográfica, para galeria ou para impressos. O motivo: "Sou um fotógrafo que dirige, mas também sou um fotógrafo que fotografa", diz.

Quando estava prestes a lançar seu primeiro longa-metragem solo como realizador, "Moacir Arte Bruta" (2005), Walter foi desafiado pelo fotógrafo de um jornal carioca (o também cronista Leonardo Aversa, de O Globo) a produzir um autorretrato seu, em pleno Parque Lage, usando não um celular (e o conceito de selfie hoje tão em voga), mas uma pesada Nikon. O resultado foi um experimento cubista, na fragmentação da geografia de um rosto que, para o audiovisual, é um patrimônio de excelência.

 

Walter Carvalho: 'Uma boa imagem deve deixar dúvidas'

Walter Carvalho | Foto: Divulgação

Walter Carvalho é um cineasta de sucesso. Em 2024, vai celebrar os 20 anos da bilheteria blockbuster de "Cazuza - O Tempo Não Para", feito em dupla com Sandra Werneck.

Porém, esse Ansel Adams da Paraíba já era fotógrafo antes de fazer filmes. Foi diretor de fotografia em "Central do Brasil" (Urso de Ouro de 1998), "Lavoura Araica" (2001), "Amarelo Manga" (2002) e muitas outras pérolas.

Foi realizador também, rodando ficções como "Budapeste" (2009). Mas nunca deixou de fazer exposições, nem de investir em iluminuras.

Na entrevista a seguir, ele fala do significado estético de "Territórios" em suas andanças.

Que "Territórios" seu novo livro explora, por que locais percorre, que negativos e positivos da imagem ele registra?

WALTER CARVALHO: Territórios são constelações no intervalo fotográfico que vai o enigma ao registro. Territórios são olhares sobre o que me encontra. O espaço onde eu vejo aquilo que me vê. Uma boa imagem deve deixar dúvidas. A imagem de uma pedra num curral fechado, por exemplo, pode ser um elemento muito perturbador. É o que está entre o que é e o que eu vejo. É um elemento perturbador porque me adentrou não como objeto em si, mas como imagem. Essa pedra se colocou no meu caminho. Sob essa ótica conceitual, "Territórios" é um recorte no meu trabalho como fotógrafo. São 52 fotos. Esse recorte atinge áreas conhecidas e algumas nunca vistas também. Tem fotos inéditas como, por exemplo, a imagem da capa. É um livro de fatias que podem se interligar, que se atraem ou se negam. É um livro que pode ser aberto em qualquer parte dele, em qualquer página, e, nessa abertura, ele faz encher os olhos de sonhos, sem se fechar em início, meio e fim. Não se deve fechar o círculo.

De que maneira esse experimento te desperta para novas descobertas?

São 52 notas de um caderno ausente. Eu me acho vítima da imagem e nunca sei o que fazer com ela, a não ser mostra-la. Não pretendo contar histórias com essas notas, apesar de toda a imagem deixar um rastro, deixar uma memória. O que eu quero saber é o 'viu ou não viu' de uma imagem minha. Como objeto, 'Territórios' é um livro erigido a partir de uma exposição que está em cartaz, até março, no Museu da Fotografia de Fortaleza. Vale destacar o texto do Eder Chiodetto nesse livro e o trabalho do Silvio Frota, que dirige essa instituição.

Como você avalia o cuidado do Museu da Fotografia de Fortaleza com a arte da luz?

É um museu fantástico, único no gênero existente no Brasil, inteiramente dedicado à fotografia brasileira e internacional. É um aparelho bem equipado para dar conta de todas as necessidades que um museu dessa especificidade exige no trato com a imagem.

O teu território de berço, a Paraíba, faz-se notar de que forma na sua obra fotográfica?

Tenho um irmão que, com a morte do meu pai, não só assumiu deveres paternos como aplicou Bob Dylan e João Cabral de Mello Neto nas minhas veias. Um irmão artista: o documentarista Vladimir Carvalho. Quando eu era muito jovem, fui ajudar o Vladimir no Sertão. Eu fui contagiado naquele momento por duas coisas: o cinema e aquela geografia. Isso fez de mim uma pessoa sem cura. Eu tenho a impressão que essa presença do sertão - não só o da Paraíba - carrega uma ancestralidade. Talvez venha daí tenho a atração que eu sinto pelo deserto, pelos outros desertos, pelos outros sertões. É uma atração pelo espaço, o espaço vazio, o espaço plano, o espaço sem referência.

De que forma o trabalho sazonal autoral em fotos still oxigena o seu olhar para o cinema e a TV? De que forma as linguagens da foto e do cinema se conversam?

Eu diria que o oxigênio é uma linha de mão dupla. Quando comecei a fazer cinema, eu já fotografava. Quando eu me dei conta, eu estava levando a questão da imagem fotográfica para dentro do cinema e do cinema para dentro da imagem fotográfica. O cinema tem a questão do espaço-tempo, do movimento, mas trata-se de imagens fixas que, se intermitentemente vistas, ao serem projetadas, ilude a gente, dando sensação de movimento. São fotografias paradas. O cinema é um meio efetivamente fotográfico, imagético. Eu tanto alimentei de ir lá para cá, ou seja, da fotografia ao cinema, como de ficar de cá para lá, levando o cinema à fotografia. Com a televisão também é assim, sem a menor dúvida, e lá, nas novelas, estou tentando demarcar esse meu lado diretor.

 

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