Cartografias da coragem

Ganhador de dois prêmios em Roma, pela potência lírica de seus versos, Carlos Cardoso fala de sua obra em versos em evento no Estação NET Rio nesta quinta

Por Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Carlos Cardoso lança 'Coragem', seu mais novo livro na terça-feira (17)

Desabafos pontiagudos como "No fundo do que sou/ mergulho/ em raras profundezas/ Talvez assim entenda/ que viver/ não é acordar após dormir/ e que não há maior beleza/ que a solidão/ e o fechar os olhos e partir" fizeram da obra poética de Carlos Cardoso uma lâmina que rasga a mesmice de cada dia e desafia os limites da criação literária no país. "Coragem", seu mais recente livro, é navalha que corta e brasa que cauteriza, vide: "Por mais que tente contê-lo,/ meu coração bate bravamente./ Então refaço o caminho dos ventos/ embaralhado pela neblina".

Nesta quinta, a partir das 19h, o Estação NET Rio, em Botafogo, acolhe esse bardo carioca de carreira anfíbia (milita na Engenharia, assim como na escrita) para um bate-papo sobre a artesania de fazer-se verso, e para uma sessão de autógrafos de seu supracitado rebento, publicado pela Edotora Record. A ouriversaria por trás de sua escolha de palavras, estrofe após estrofe, valeu a ele uma dupla consagração recente em terras italianas. Em meados de novembro, o autor do consagrado "Melancolia" recebeu, num auditório em Roma, duas prestigiosas honrarias em reconhecimento à força lírica de sua obra e ao humanismo de seu olhar: o Prêmio Amicizia Italia Brasile e La Palma d'Oro di Assissi-Pax. Durante a premiação, Cardoso leu para o público italiano três poemas de sua autoria: "Pedra", "Ora" e "Calmaria".

O cerimonial foi conduzido pela secretária geral da Associazione Amicizia Italia Brasile, Bartira Carmignotto da Silva; pelo deputado Fabio Porta; e o embaixador S. E. Everton Vieira Vargas. Segundo documentação da Associazione Amicizia Italia Brasile, a premiação concedida a Cardoso "é uma contribuição bilateral de troca cultural". Em seu discurso de agradecimento, Cardoso destacou: "Eu sou um brasileiro em Roma. É meu dever como autor - e, sobretudo, como cidadão do meu país - entender que minha presença aqui simboliza um gesto de consideração para com o Brasil. É um reconhecimento de vocês para com o que a minha terra natal produz na arte, no verso", disse o poeta.

Poemas de Cardoso foram interpretados por Othon Bastos, Patrícia Pillar, Tony Belloto e Malu Mader em interpretações registradas em vídeo, o que lhe garantiu espaço na cena audiovisual. Em recente entrevista ao Correio da Manhã, ao avaliar o impacto do corpo a corpo com a imagem em movimento, na récita de sua lírica, o poeta enxerga um processo de libertação de novos sentidos. Segundo ele, essa troca midiática "é algo que liberta intensidade, revela força e emociona", diz. "Espero que a pessoa, ao ler ou ver ou ouvir meus poemas, interprete-os e os sinta de uma forma distinta e, a partir daí, uma conexão comece a ser estabelecida. A poesia dá fruição de mão-dupla, onde os poemas despertam memórias. A poesia do movimento. Por isso, acredito que a poesia estabelece conexões com nossas raízes profundas e, ao mesmo tempo, com o desconhecido", explica Cardoso.

Durante o lançamento de "Coragem" no Rio, em outubro, o imortal da ABL e poeta Antonio Cicero ressaltou a relevância de Cardoso na cena literária nacional. "Todo grande poeta, quando lido, transporta a gente para a terceira dimensão da vida, que é a dimensão transcendente da arte. Carlos hoje é um dos grandes".

No texto do posfácio de "Coragem", a professora e pesquisadora Celia Pedrosa diz que "o trabalho poético de Carlos Cardoso, pela superação de dicotomias convencionais, alimenta algumas importantes tendências da poesia contemporânea. São elas: o reinvestimento no lirismo, força afetiva de subjetivação, que impulsiona a relação reflexiva entre um eu desacomodado e o mundo belo e violento".

Além da premiação recente na Itália, Cardoso teve poemas traduzidos e publicados na França, na Espanha, na Itália, em Portugal, nos Estados Unidos, no México, na Colômbia, na Bulgária e na Ucrânia, entre vários territórios estrangeiros. Em 2021, lançou o aclamado "Sol Descalço", que também serve a seu público leitor como bússola para se nortear na profusão de sentimentos deste insensato mundo.