Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Animada ode à arte de ler

Uma emocionante ode ao hábito da leitura, 'Os Fantásticos Livros Voadores de Modesto Máximo', animação oscarizada, chega à web e livro pode ser comprado em sites especializados | Foto: Divulgação

 

No último Natal, as boas vendas em livraria de "Bently & Egg" nas compras infantis e a recente versão de "Ollie's Odissey" para a Netflix (na forma da minissérie "Ollie, o Coelhinho Pedido"), ampliaram o prestígio do ilustrador, cineasta e escritor William Joyce comentando uma corrida por sua publicação mais famosa: "Os Fantásticos Livros Voadores de Modesto Máximo".

Tem uma edição em capa dura dessa joia à venda na Amazon Prime e é possível encontra-lo pelos sebos virtuais da web também. Fuçando a internet, via Google Play, é possível chegar a uma aclamada adaptação da prosa de W. Joyce para os cinemas: "The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore", ganhador do Oscar de Melhor Curta de Animação em 2012.

Vogais e consoantes são servidas a livros famintos em tigelas fundas, regadas a leite, como se fossem Sucrilhos, em um dos quebra-molas narrativos de "Os Fantásticos Livros Voadores de Modesto Máximo", que traduz toda a fantasia do universo decorado de "literatices" de W. Joyce nos livros. No desenho derivado dessa fábula, ele teve um parceiro de criação: Brandon Oldenburg.

A expressão "literatices", entre aspas, sai de uma página avulsa de "Solo de Clarineta" (1973), de Érico Veríssimo, quando usa pétalas para representar dedos de mãos femininas e uma corola como metáfora de um punho em riste. "Deixemos de literatice, pois a vida nos conclama", escreve o autor de "Incidente em Antares", indo por um caminho oposto ao do filme de animação produzido pelo Moonbot Studios e laureado com o Oscar por seu virtuosismo técnico e sua vontade de potência poética traduzida em cores. Com gosto açucarado de cereal Kellogs, as tais letras e sílabas do início desta nossa prosa servem de ração para o colorido que se espalha pela tela como um amarelo Van Gogh conforme brochuras e opúsculos das mais variadas naturezas se aproximam de um jovem bibliófilo buscando um abrigo em forma de abraço. O rapaz, que vai adquirindo cinza nos cabelos a cada andança de sua vivência, é o protagonista desta fábula de formação (de cunho educativo, mas sem didatismos moralizantes) acerca da importância da leitura para assegurar a sobrevivência da sonho, a pureza no oxigênio de nosso imaginário estético.

Seu realizador, W. Joyce, é um americano da Louisiana, hoje sexagenário, que foi um dos produtores do sucesso "Robôs" (2005), de Carlos Saldanha, e encontrou sua voz autoral ao partir para um formato de experimentação digital: seu curta virou um aplicativo de iPad, para assegurar ao diretor alguma lucratividade. Com o Oscar, o produto, que assegurou para si um público leitor em gadgets eleotrônicos, alcançou uma nova encarnação na forma de livro, aqui lançado pela Rocco, e bem trazido por Elvira Vigna.

Modesto, ou Morris, é um Visconde de Sabugosa que alcança, na ficção, clarividência similar àquela atribuída à escritora e ilustradora inglesa Beatrix Potter (1866-1943). Lendas (que se tornaram ainda mais célebres após o filme "Miss Potter, com Renée Zellweger) falam que ela via os animais saltitantes e boquirrotos de sua obra em visões que mais eram exercícios de criação do que algum autismo iluminado. Morris, na trama animada por Joyce, é como Beatrix: ele vê os relevos mais inusitado no acidente geopolítico de inclusão pelo assombro que a arte literária é. Por isso, pessoas que não leem são vistas por ele como almas sem cor. Cada uma delas que recebe um livro, adquire vermelhidão, "azulice", "amarelitude", negrume... É a vida que se instaura, entra e salta, pimpona. Estamos diante de uma ode à essencialidade do verbo "ler" como um exercício de empoderamento essencial. Quem lê não apenas sabe mais: vive mais... e melhor. É sobre essa qualidade que o cineasta se debruça, criando um Quixote que promove uma cirurgia para salvar um livro de seu desfolhar.

Como seu Sancho Pança etéreo, Morris conta com Humpty Dumpty, prosopopeia em forma de ovo que saiu da Carochinha, nas peripécias da Mamãe Ganso. A albumina falante testemunha cada passo do paladino consonantal de William Joyce como o Grilo Falante de Pinóquio. É seu guru, um Sr. Miyagi que guia seus passos numa dinâmica serena, de "Limpe o assoalho". Cada gesto de Humpy Dumpty é de acolhimento, no ofício do coadjuvante que ajuda o personagem principal a trilha sua moira com o dinamismo da doçura. Sua presença engorda a carne de uma iguaria da animação independente dos EUA, gestada fora dos auspícios da Disney/Pixar, com espaço para ousar... e metáforas para encantar.

 

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