Por: Alessandra Monastrelli (Folhapress)

Lucio Costa, um gênio introspectivo

Lúcio Costa (à direita) e seu pupilo, Oscar Niemeyer | Foto: Jean-Pierre Dalbéra

Em 1937, os pampas gaúchos, a 2.500 quilômetros de Porto Alegre, abrigavam ruínas de um passado colonial distante. Pedras avermelhadas, entre bases de colunas e muros, salpicavam o matagal de baixos arbustos, sem dar pistas de que já foram uma construção jesuíta no século 17. Foi assim que o arquiteto Lucio Costa, que anos depois desenharia Brasília, encontrou o embrião do que se tornaria o Museu das Missões. Para dar luz ao edifício reformado, ele elaborou um projeto que faria uma intervenção moderna nas ruínas históricas, inspirado nas antigas casas de indígenas construídas pelos religiosos.

Em São Miguel das Missões, remota cidade que só seria reconhecida em 1988, Costa dava pistas do estilo que o tornaria um dos arquitetos mais importantes do Brasil. A inserção de elementos antigos a um planejamento moderno seria sua marca.

Com esse relato ilustrativo, Fernando Serapião, crítico de arquitetura e editor da Monolito, dá a largada ao relato biográfico do arquiteto no livro "Lucio Costa, Designer", publicado pela casa em parceria com o estúdio Dpot, que rastreia a trajetória de Costa até a criação, na década de 1960, da "Poltroninha", que faria seu nome ser relembrado também no design de mobiliário no país.

Costa foi matriculado na Escola Nacional de Belas Artes pelo pai que queria um filho artista. Logo se destacou como uma promessa do estilo neocolonial, considerado na época a resposta para uma identidade arquitetônica brasileira. José Marianno Filho, diretor da escola na época, defendia com unhas e dentes que "a casa brasileira deveria ser como a velha casa patriarcal".

Foi uma viagem a Diamantina (MG), que mudou os rumos intelectuais do jovem. Na arquitetura definida por ele como "civil, chã e cotidiana", encontrou a essência da construção. "[As casas] eram muito verdadeiras do ponto de vista estrutural. Todas as peças e elementos da construção tinham sentido. O mesmo acontece no modernismo, que ele adota mais tarde", diz Serapião. O neocolonial, então, se tornou para Costa uma mera forma de tentar maquiar o passado com técnicas novas.

Quando Getúlio Vargas chega ao poder, em 1930, Manuel Bandeira, que via em Lucio Costa outro poeta, o indicou a diretor da Escola Nacional de Belas Artes. Lá, passou a defender, de vez, o modernismo, sob o mote de que "em todas as grandes épocas as formas estéticas e estruturais coincidem". "Ele percebeu que no colonial verdadeiro e no modernismo as coisas se encaixam. Mas nas coisas em estilo, o neocolonial, tudo que é 'neo', é falso. Ele procurava uma verdade", diz Serapião.

Sua rejeição ao neocolonial não o deixou muito tempo no cargo. Depois de demitido, se aproximou de Gregori Warchavchik, ucraniano radicado no Brasil que se tornou um dos principais representantes do modernismo na arquitetura. Juntos, formaram uma sociedade e contrataram um jovem estagiário: Oscar Niemeyer.

Alguns anos depois, o Ministério da Educação e da Saúde Pública precisava de uma nova sede. Recomendado por Carlos Drummond de Andrade, na época chefe de gabinete do ministro Gustavo Capanema, Costa foi designado para chefiar o grupo de arquitetos que fariam o projeto. O plano escolhido foi o de Niemeyer, que deu vida ao Palácio Capanema, no Rio. O edifício tem os "cinco pontos da arquitetura moderna modulados por Le Corbusier", segundo Serapião. Planta e fachada livres, colunas, teto-jardim e aberturas horizontais. "Ele continuou apostando na mistura entre passado e presente, aliando elementos luso-brasileiros a vanguarda europeia."

No que parecia ser seu auge, porém, Costa saiu de cena. "Ele se colocava na sombra. Ele percebe a diferença do talento criativo do Niemeyer e parece que deixa de bandeja o protagonista para ele, ficando em segundo plano, quase como um mentor intelectual", analisa Serapião.

O isolamento teve uma pausa com a projeção dos prédios no parque Guinle. Na inauguração, o alemão Walter Gropius, da Bauhaus, deu uma bronca no brasileiro. "O senhor Lucio Costa tem obrigação moral de participar e orientar o movimento arquitetônico no Brasil."

Essa introspecção agravou-se com a morte da esposa, Julieta, e só seria quebrada para projetar Brasília, na década de 1950. "Ele criou a mais impactante experiencia urbanística do século, mas não participou da inauguração", diz Serapião. Deixou o protagonismo, mais uma vez, para Niemeyer.

Na década de 1960 projeta, quase como um passatempo, uma poltrona para a casa da filha, mas Sérgio Rodrigues o convida para criar a peça na Oca. "É mais fácil projetar uma cidade do que uma cadeira", brincou. O resultado final foi a "Poltroninha", que retoma a ideia da LC1 e da cadeira de campanha, somada aos elementos que dominavam o mobiliário modernista brasileiro insurgente, como uso de madeiras nobres e couro e estruturas pensadas para o conforto.

Para Serapião, o percursor da arquitetura moderna brasileira pensou além do espaço, junto aos colegas que criavam uma identidade nacional. Com seus de braços de madeira estofados e assento inclinado, a "Poltroninha" coloca em prática, no design, o ensinamento de Diamantina à Costa, de que a estrutura simples é, na realidade, complexa.

 

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