As técnicas literárias de suspense, fatos sobre os escritores de novelas policiais e até o mistério de mortes sucessivas durante um feriado: a junção desses elementos faz de Os pecados de West Heart (Intrínseca, R$ 59,90), do americano Dann McDormann, um divertido thriller-dissertação.
A cada descoberta do protagonista, um detetive particular que vai investigar os associados do antiquado clube de caça, um condomínio de ricaços, próximo a Nova York, se intercala uma digressão a respeito de autores, análises de textos de clássicos do gênero e modificações no estilo narrativo (primeira pessoa do singular, do plural, terceira pessoa, marcações de diálogo de peça teatral).
Tomando o leitor como interlocutor, a trama jamais é abandonada por McDormann, jornalista que trabalha em televisão e já teve indicação ao Emmy. Personagens são apresentados em lista, como fazia Agatha Christie, o sarcasmo de Dashiel Hammet e Raymond Chandler descreve situações. Também há análise de passagens da vida dos mestres da Era de Ouro do romance policial, além de citações às raras incursões no segmento de quem se dedicou a outro tipo de ficção, como Jorge Luis Borges.
Mesmo sem perder o fio da meada, McDormann dá a impressão de que se divertiu muitíssimo em aliar seu conhecimento literário a uma história que buscou reunir todas as diferentes formas de tratar do crime. Tudo se passa nos anos 1970, a era dos tecidos sintéticos, dos bigodes compridos no estilo celebrizado por Robert Redford em Butch Cassidy, de socialites entediadas que fazem do adultério um estilo de vida. Os ricaços convivem desde a juventude no espaço privilegiado cujo custo já não compensa o tempo nele usufruído nas temporadas de férias. A escassez de recursos financeiros e tragédias pessoais podem ser os motivos para as mortes suspeitas que se sucedem, uma delas, claramente, um homicídio.
No mundo real, a cobiça colonialista é apontada pelo jornalista polonês Wojciech Tochman como causa para a divisão da população de Ruanda em etnias que levaram ao massacre de 800 mil tutsi em 1994. Especializado em buscar as histórias de sobreviventes de conflitos - ele também esteve no Camboja e na Bósnia —, Tochman dá voz a jovens da etnia tutsi em Hoje vamos desenhar a morte (Ayiné, R$ 17,90*). O comovente relato trata das crianças que tiveram toda a família assassinada e de seus executores. Segundo Tochman, antes da chegada dos europeus ao território, hutus, tutsis e pigmeus compartilhavam a mesma cultura e fé religiosa. O livro foi lançado em 2010, expressando a sensação de incômodo e não-pertencimento que os ruandeses experimentam, descrito a seguir pelo jornalista: "... Ruanda é o país do medo. Assim como todo o continente. Só que em outros lugares, os africanos têm medo dos feitiços, dos poderes do mal e dos espíritos. Mas um homem ruandês tem medo de outro ser humano: de chantagem, de calúnia, de denúncia e de acusação — referente a participação no genocídio ou a uma conspiração contra o governo. Não importa se a acusação é falsa. O importante é que é difícil se livrar de tudo isso".
*O preço bem atraente dos livros da Ayiné é para exemplares comprados no site da editora, que está liquidando com seu estoque (https://ayine.com.br). Em 2023, o custo do livro subiu em torno de 7%, mesmo percentual que o setor experimentou em queda de vendas no varejo. Algumas editoras passaram a vender seus títulos em promoções. É ficar atento ou buscar em sebos. Além dos sebos virtuais, há os que resistem com lojas físicas, entre eles o Baratos da Ribeiro, na Rua Dezenove de Fevereiro 90, em Botafogo, no Rio de Janeiro, que além de um excelente acervo de livros, têm muitas ofertas em discos de vinil e quadrinhos.