Luiz Antônio Assis Brasil: 'A maturidade sempre está um pouco além do ponto em que estamos'
Páginas e páginas de experiência compõem o currículo de escrita de Luiz Antônio de Assis Brasil. Elas se esvoaçam pelas livrarias (físicas e virtuais) que hoje vendem finíssimas experiências com a prosa como "Manhã Transfigurada", "Concerto Campestre" e o recente "Leopold". Cada livro desses atesta as reflexões que o escritor gaúcho compartilha com estudantes a cada oficina literária ou disciplina acadêmica nas quais deságua seu amor pela palavra. A nova imersão do autor de "Escrever Ficção" na arte de prosear já tem um espaço online pra acontecer e data para começar. Agendado para começar no próximo dia 8, o curso "Romance: Teoria e Prática" será ministrado ao vivo (até o dia 25 de janeiro, de 18h às 20h) no Zoom do Instituto Estação das Letras (IEL), um empório de literatura. Ementas, programa, datas e valores podem ser conferidos em https://www.estacaodasletras.com.br/cursos. Ainda tem espaço para inscrições, que podem ser feitas por email (iel@estacaodasletras.com.br) ou por fone: (21) 99127-4088.
Laureado com o Prêmio Portugal Telecom e menção no disputadíssimo Jabuti por "A Margem Imóvel do Rio", Assis Brasil analisa o ofício de romancistas, na teoria e na prática, no programa didático que prepara para o IEL. Na entrevista a seguir, ele aponta carpintarias possíveis para os verbos "ler" e "escrever".
Qual foi a primeira vez em que o senhor sentiu: "Agora eu sou um escritor"? Quando percebeu a sua voz para a escrita? Em que momento um escritor se encontra pronto, maduro, para encarar um romance ou um projeto de contos?
ASSIS BRASIL: Os outros é que me sentiram como um escritor - a partir daí, peguei carona e adotei essa qualificação, que ainda tenho dúvidas de que seja merecida. Não sei se tenho uma voz para a escrita, uma vez que me sinto diferente a cada livro; quem se der ao trabalho de ler algumas páginas inicias dos meus livros, vai se dar conta disso. Ser escritor é participar de um processo sem fim; a maturidade sempre está um pouco além do ponto em que estamos.
Qual foi a maior surpresa que o senhor teve nas suas oficinas, possivelmente a descoberta de uma voz prosadora que prometia muito?
Não cito nomes por razões naturais; mas tenho experiências nos três sentidos: acreditei muito em alunos que os anos não confirmaram suas vocações iniciais; desacreditei de alunos que me surpreenderam mais tarde; confiei em alunos que o tempo confirmou essa confiança, e muito, tornando-se ganhadores de prêmios, publicando no Exterior.
Em que momento um escritor da sua farta produtividade percebe que precisa parar, dar um respiro e se reciclar, seja estudando, seja apenas lendo livros? A leitura que mais e melhor lhe recicla... qual seria?
Essas "paradas" são sempre boas, para evitar os cacoetes literários, seja no plano linguístico, seja temático. Isso me aconteceu em 2020/2021, no auge da pandemia. Não conseguia escrever quando a morriam pessoas aos milhões, e eu via nosso governo aumentando essas tétricas cifras. Quando retomei a escrita de "Leopold", ela voltou, penso, mais humanizada. Surpreendi-me com coisas que nunca teria escrito. Para me reciclar, não preciso ir muito longe: eu leio o que escrevem meus alunos. É um processo permanente.
Onde é que a prosa de Arthur Schnitzler, Simone de Beauvoir e Michel Laub - que estão na bibliografia do curso da Estação das Letras - se combinam na sua arquitetura de aulas? Que livros são essenciais para quem escreve?
Schnitzler eu utilizo para mostrar como pode ser bem-sucedida uma novela linear. Simone de Beauvoir me ajuda a mostrar o tratamento do espaço na perspectiva da personagem. Uso Michel Laub, que foi meu aluno, para evidenciar uma estrutura rara e eficiente, que consiste na reiteração de uma cena, transformando-a a cada vez que ela aparece.
Que geografias, as físicas e as do afeto, a sua literatura percorreu? Que novas histórias estão por vir?
Tenho um primo, escritor, ora publicado pela Cia. Das Letras, que me disse: "primo, cada livro seu parece ser escrito por autor diferente". É verdade. Eu mesmo me surpreendo. Não tenho uma temática dominante, embora reconheça algumas fases, que passam por literatura histórica, experimentam depois uma radical alteração da forma, voltam à forma tradicional, e agora, onde me encontro, meus temas voltam-se para a música, inclusive com o uso da primeira pessoa do singular. Enfim tudo é vário e diferente, o que me dá sempre a sensação de ser não apenas um novo escritor, mas uma nova pessoa.