Autora de literatura que nasceu nos intervalos da escrita de suas teses acadêmicas, sempre exigindo muita leitura e comparações de pontos de vista antes de ganhar forma na tela do computador, assim é o processo da piauiense Veronica Botelho, cidadã do mundo e mãe de meninas de 2, 11 e 14 anos, que lança o romance "Verão" nesta sexta-feira (1º), na Janela Livraria.
Veronica cursou Psicologia na Itália e, no momento, faz mestrado em Neurociência da Saúde Mental em Londres, além de vir se especializando em neurociência cultural. A literatura entrou na vida da autora pela porta do divertimento. "Sempre quis escrever ficção, mas achava impossível. Então, continuei produzindo textos acadêmicos. De vez em quando, o meu companheiro falava que eu deveria investir na ficção para relaxar um pouco. Até que resolvi tentar", conta Veronica nesta conversa com o Correio.
De onde veio a inspiração para "Verão"?
Veronica Botelho - A curiosidade de saber se eu conseguiria, somada com a necessidade que sentia de levar temas como saúde mental, transtornos, diferenças culturais e imigração para um público além do acadêmico. Com esses dois motores e vários livros começados, escrevi para uma amiga que acabara de publicar o seu primeiro livro de literatura erótica e ela me passou o contato de Sandra e Tiago, editores da e-galáxia. Sandra escolheu um dos quatro trechos que enviei e o transformei no livro. A inspiração foi nascendo na medida em que eu escrevia. Foi um processo muito louco. Fazia tempo que estudava sobre o processo de escrita ficcional, que participava de laboratórios de escrita, mas nunca tinha imaginado como seria o dia que eu decidisse escrever um romance.
O que tem da sua vida nele?
O movimento - esse transitar por diferentes contextos, espaços e tempos que marca todas as personagens. Os lugares por onde a protagonista passa são alguns dos que morei e adorei levar os leitores por eles. Assim como Rebecca, também fiquei órfã de pai na infância, quando estava com quase sete anos. Durante a minha vida conheci várias pessoas que cresceram sem um dos progenitores e percebemos algumas coisas em comum: aprender desde cedo que hoje estamos e que podemos não mais estar um segundo depois. É um acontecimento que nos muda para sempre.
"Verão" se passa entre Itália, Catalunha e Brasil - lugares por onde você também circula.
Nunca li um livro no qual a protagonista fosse ítalo-brasileira ou afro-italiana, apesar de os imigrantes italianos representarem uma parte importante da nossa cultura, sobretudo em São Paulo. A Catalunha, porque é um lugar que aprendi a respeitar como um país. Aprendi a apreciar a sua cultura, assim como fui bem recebida com a minha. Foi lá que aprendi a diferença entre integração e interação, onde me senti vista. É minha maneira de expressar gratidão! Com a minha escrita, quero apresentar novas perspectivas. O Brasil funciona como um elo entre a protagonista e esses lugares. Consegui homenagear três países que fazem parte de mim!
Na orelha de "Verão" está escrito que ele é o primeiro da série não sequencial "As estações".
Comecei a escrever vários livros e me sentia bloqueada para seguir porque nunca queria mostrar apenas uma perspectiva da história. A vontade era escrever um livro com pontos de vista de diferentes personagens e uma narração que fosse descentralizada. No meu primeiro livro, "Meias Verdades", consegui escrever um conto que seguia esse impulso. E nada melhor do que as estações para representar essa ideia, cada uma protagonizada por uma personagem feminina, trazendo a perspectiva de diferentes gerações e contextos.
Você é uma leitora voraz? Quais autores influenciam a tua escrita?
Só comecei a ler como escritora há pouco tempo. Antes sempre lia movida pela curiosidade, pelo prazer de descobrir novos mundos. Transitava pelos corredores das livrarias com o coração aberto para encontrar títulos que me interessassem. Em 2005, descobri Chimamanda em espanhol, antes que ela ficasse famosa no mundo todo. Toni Morrison li em catalão, porque ganhei de presente de Joana, amiga e sogra da minha irmã. Também li "La Reina del Sur" em 2002, bem antes que virasse série de TV. Descobri os livros de Luis Fernando Verissimo e Clarice Lispector aos 12 anos, durante as minhas viagens. Hoje eu sinto que sou boa pescadora de livros. Sem dúvida todas as leituras que fiz estão por trás de como escrevo, de como sou.
Em qual idioma você prefere escrever?
Boa pergunta porque depende. Já percebi que tendo a escrever na língua do lugar onde estou, ou de onde aconteceu o que quero escrever, ou de com quem eu estava. Mesmo assim, notei algumas preferências: escrevo textos acadêmicos em inglês e poesia em italiano e catalão. Escrevo pouco em espanhol, mas tenho alguma poesia e algumas reflexões de quando voltei a Buenos Aires, depois de 20 anos. Nesse momento estou escrevendo ficção em português, mas comecei escrevendo contos em italiano. Minha editora fala que escrevo melhor em italiano. Meu companheiro - ele sim, leitor voraz - acha que é a língua na qual amadureci. Eu se tivesse que escolher uma única, seria o italiano. A língua na qual renasci algumas vezes. E na qual mais escrevi, pois aconselho e pratico, a autonarração. Gostaria de ser mais disciplinada e escrever todos os dias, porém tento escrever sempre que acontece alguma coisa que eu gostaria de relembrar no futuro, emoções intensas, acontecimentos, agradecimentos. É uma prática que pode servir como prevenção de traumas, além de nos fazer reviver boas lembranças!
Por que escrever?
Para ensinar, para aprender, para contar aquela história que só a gente pode contar. Para dar esperança, construir lembranças. Para viver!