Por: Olga de Mello | Especial para o Correio da Manhã

A estrela que fez Madureira chorar

Vedete consagrada nos anos 1950, Zaquia Jorge, que abriu teatro em Madureira e morreu de forma trágica, tem sua trajetória resgata em biografia assinada pelo jornalista Marcelo Moutinho, cria do bairro | Foto: Divulgação

Se mostrar corpo em biquínis sumários - para os padrões dos anos 1950 — exigia ousadia, abrir um teatro e encenar peças populares em Madureira era quase um atestado de insanidade. Consagrada como atriz e vedete de teatro de revista, a carioca Zaquia Jorge não hesitou em instalar no prédio de uma extinta loja de ferragens em sala de espetáculos para quase 500 espectadores, em 1952. A trajetória bem-sucedida foi interrompida, cinco anos depois, pela morte de Zaquia, afogada no mar da Barra da Tijuca, numa segunda-feira, único dia de folga dos artistas, então.

A mulher à frente de seu tempo foi inspiração para alguns sambas, um deles, "Madureira Chorou", de Carvalhinho e Júlio Monteiro, lançado no Carnaval de 1958. Tema do desfile do Império Serrano em 1975, Zaquia seria lembrada pela canção de Acyr Pimentel e Cardoso, "Estrela de Madureira", derrotada na disputa de samba-enredo da escola, e gravada por Roberto Ribeiro. Apesar do sucesso das músicas, Zaquia Jorge caiu no ostracismo, do qual é resgatada com a biografia assinada pelo jornalista Marcelo Moutinho "Estrela de Madureira - A trajetória da vedete Zaquia Jorge por quem a cidade chorou" (Record, R$ 84,90). Criado no bairro, ele passou a infância ouvindo os sambas, e diz que o livro nasceu do contraste "entre a mulher que inspirou duas músicas de grande sucesso, que foi enredo de escola de samba, e o esquecimento que cobre sua história".

Moutinho considera a biografia seu primeiro trabalho de não-ficção, embora tenha coordenado a edição de "Canções do Rio", uma compilação sobre bairros retratados na música popular. Na pesquisa de cinco anos, buscou manter-se fiel ao material encontrado, sem deixar que "a prática do ficcionista maculasse o rigor histórico". O resultado é um relato jornalístico quase severo: "É muito tentador, para quem escreve ficção, completar com a imaginação os 'espaços vazios' da pesquisa. Evitar essa armadilha foi, desde sempre, uma premissa para mim. Isso não significa que não tenha recorrido a estratégias clássicas da ficção, como abrir a história com uma cena impactante - no caso, a morte da protagonista", conta o escritor, que lança o livro neste sábado (6) no bar e sebo Al Farabi (Rua do Mercado, 34), com samba a cargo da Velha Guarda do Império Serrano.

 

Marcelo Moutinho: 'Aos olhos das pessoas, Zaquia será para sempre uma mulher jovem'

Marcelo Moutinho - Crédito: Mônica Ramalho/Divulgação | Foto: Mônica Ramalho/Divulgação

Ainterrupção abrupta da consagrada carreira de Zaquia Jorge talvez explique os anos de ostracismo que se seguiram alguns anos depois de sua morte. Em conversa com o Correio da Manhã, o jornalista Marcelo Moutinho explica sua relação com a personagem que escolheu biografar. "Lá em casa, os sambas "Madureira Chorou" e "Estrela de Madureira" giravam muito na vitrola. Meu pai costumava comentar que aquelas duas músicas haviam sido compostas para uma vedete que abriu um teatro no bairro", recorda o autor, anunciando que pretende resgatar outras figuras esquecidas em seus próximos projetos editoriais.

Por que Zaquia Jorge caiu totalmente no esquecimento, quando outras vedetes que não chegaram a ser empreendedoras, entre elas Mara Rúbia e Virginia Lane, continuaram sendo lembradas?

Marcelo Moutinho: Não tenho como cravar, mas cogito que seja pelo fato de ter morrido muito jovem. Quando ela se afoga no canal da Barra, tem apenas 33 anos. Então a carreira foi curta, cerca de 13 anos, e também encerrada de forma abrupta. Por outro lado, é curioso pensar como acabou se fixando uma imagem que não envelhece. Aos olhos das pessoas, Zaquia será para sempre uma mulher jovem.

Como você chegou a Zaquia? Já conhecia sua trajetória?

Passei minha infância em Madureira e meus pais era grande fãs do Roberto Ribeiro. Então, lá em casa, os sambas "Madureira chorou" e "Estrela de Madureira" giravam muito na vitrola. Meu pai costumava comentar que aquelas duas músicas haviam sido compostas para uma vedete que abriu um teatro no bairro. São informações que ainda hoje pairam sobre o imaginário dos moradores do subúrbio, mas a história de Zaquia, apesar disso, é bem pouco conhecida. A ideia de escrever o livro nasce dessa constatação.

Mulher jovem e empreendedora, Zaquia se tornou querida em Madureira, tanto pela simpatia quanto pela generosidade. Era marketing ou algo natural?

Totalmente natural. Talvez por ser uma mulher nada arrogante, e também por ter se identificado com os moradores, a relação de empatia logo se impôs às reações refratárias iniciais. Ela costumava almoçar em uma pensão vizinha ao teatro, passeava pelo comércio, disputava jogos de purrinha nos botecos e frequentava a Portelinha, antiga sede da Portela (o próprio Monarco conta isso). Também ajudava financeiramente as pessoas, como mostram dois casos relatados no livro.

Zaquia teria pressentido o ocaso do teatro de revista, que aconteceria nos anos 1960, ou aventurou-se no empreendedorismo por ambição de criar algo para o teatro?

Certamente a popularização da televisão é parte fundamental do declínio do teatro de revista. Além disso, eram espetáculos muito custosos, com orquestra, grande corpo de artistas… Aos poucos, foram se tornando inviáveis. Não me parece que a opção por se tornar empresária tenha a ver com um suposto ocaso da profissão. Quando observamos a trajetória dela, chama a atenção a admiração que cultivava pelo mítico produtor Walter Pinto, que levava multidões à Praça Tiradentes. É claro que não posso falar com total certeza, mas diria que vem muito mais de um desejo pessoal de ter a própria companhia.

Como foi a relação do Império e da Portela com Zaquia numa época em que escolas de samba eram um fenômeno quase exclusivamente suburbano?

Quando ela abre seu teatro, o Império Serrano era uma escola muito recente. Tinha apenas quatro anos de vida. A Portela, por outro lado, há tinha bastante estrada. Zaquia frequentava os ensaios na antiga Portelinha, estava sempre lá. Nas peças do Madureira, também procurava tratar de temas ligados ao samba. E chegou a ceder profissionais do teatro, como os figurinistas, para ajudar na produção dos desfiles das duas escolas.

A biografia é uma volta sua ao jornalismo? Há outras figuras esquecidas que você vai resgatar?

Sim. O Ruy Castro disse certa vez que o passado é um país estrangeiro. Visitar essa país tão distante e, ao mesmo tempo, tão próximo foi trabalhoso, mas também uma experiência incrível. Não vou deixar de publicar seletas de contos e crônicas, nem livros infantis. A carreira como ficcionista seguirá seu rumo. Mas, agora, em paralelo à não ficção. Pretendo resgatar outras figuras esquecidas e já há, inclusive, uma pesquisa em andamento, ainda que de modo bem incipiente.

 

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