Por: Laura Erber (Folhapress)

Alice Munro, Nobel de Literatura, morre aos 92 anos

Alice Munro teve seu primeiro livro lançado em 1968, colhendo críticas elogiosas | Foto: Divulgação

O mundo literário lamenta a perda de uma verdadeira mestra do conto, a canadense Alice Munro, aos 92 anos. Seu legado como narradora perspicaz e seu posicionamento público contra a desigualdade de gênero continuará a inspirar gerações futuras.

Munro foi a primeira autora mulher do Canadá a receber o Nobel de Literatura, tendo sido agraciada também com o prêmio Booker Internacional e o National Book Critics Circle Award, este último pelo livro "O Amor de uma Boa Mulher", de 1998, por muitos considerado o seu livro mais importante, reunindo contos em que seu estilo cinematográfico - uma visão abrangente articulada à atenção aos detalhes em zoom - já se evidenciava.

A obra percorreria o mundo atraindo leitores de diferentes contextos. No Brasil, contudo, Munro passou a ser mais traduzida e lida a partir do Nobel e do relançamento do livro de contos "Ódio, Amizade, Namoro, Amor, Casamento". Agora, decerto deve conquistar novas e novos leitores.

Nascida em 10 de julho de 1931, em Wingham, Ontário, Alice Ann Laidlaw cresceu em uma pequena cidade da zona rural canadense que serviria de fonte de inspiração para suas narrativas e para a construção de suas personagens.

De família modesta e crescendo numa época de depressão econômica, Munro aproximou-se do universo literário graças ao forte interesse pela leitura que marcou sua infância. Frequentou por dois anos a Universidade de Western Ontario, onde conheceu o primeiro marido, James Munro, com quem fundou a Munro's Books, livraria independente que se tornou espaço de referência e hoje é uma das mais respeitadas do Canadá.

Seu primeiro livro, "Dance of the Happy Shades", foi lançado em 1968, colhendo elogios da crítica especializada. O livro foi escrito ao longo de quase 15 anos, na passagem dos seus 20 aos 30 anos, quando se tornou uma mulher casada e mãe. Escreveu boa parte de seus contos enquanto seus filhos dormiam ou nas poucas horas em que frequentavam a escola. Ali já se revelava uma autora capaz de manejar com destreza a intrincada tapeçaria das emoções humanas e os impasses que se escondem por trás de vidas aparentemente comuns.

Muitas histórias de Munro são mobilizadas pelo complexo funcionamento interno das personagens, que o conto permite revelar através de detalhes latentes de sentido. Sua literatura será lembrada pelas personagens femininas flagradas em situações mundanas, mas em processos de viragem, enfrentando dificuldades que a vida impõe - um câncer, o preconceito de classe ou a traição.

Munro soube percorrer um espectro múltiplo de mulheres, desenhando com uma notável economia de meios a complexidade das expectativas de meninas que crescem na zona rural, idosas em processo de demência, a jornada passional de mulheres de meia-idade ou as obsessões de escritoras reclusas e solitárias. Professoras, secretárias, esposas, amigas, mães e filhas são flagradas em momentos de transformação ou nas tentativas de escapar de um algum modo da vida, buscando saídas para as circunstâncias que, de certo modo, as mantêm cativas.

Comparada ao russo Anton Tchékhov pelo crítico Harold Bloom, Munro fez do conto um grande gênero, sem para isso recorrer à exuberância do fantástico ou aos caprichos do simbolismo. Seus contos são realistas e constritos: não julgam as ações que narram, deixando para quem lê uma margem de liberdade crítica.

Sua matéria é a vida como ela é, em declínio, metamorfose ou perdição, sob o véu da aparente normalidade - a vida naturalmente ordinária e por isso mesmo sempre singular, cativante, por vezes mesmo resistente à interpretação.

Os contos de Munro reconectam seus leitores com a condição humana sem escapismo, mas são construídos sobre a intensidade emocional. Munro reafirma a literatura como uma educação sentimental da qual não podemos prescindir. Sua obra é uma afirmação persistente dessa compreensão da literatura como espaço de abertura onde aprendemos a percorrer os caminhos sinuosos de vidas alheias, sem o imperativo da identificação total ou do julgamento moral.

 

Por onde começar a ler Alice Munro

Alice Munro se notabilizou na literatura, sobretudo, como mestra dos contos. A autora tem sua obra editada no Brasil pela Biblioteca Azul e pela Companhia das Letras. A reportagem fez uma seleção dos principais títulos disponíveis por aqui para começar a conhecer seu trabalho.

O Amor de uma Boa Mulher (1998): Coletânea de oito contos premiada com o National Book Critics Circle Award, nos Estados Unidos, foi central para ampliar o alcance da escritora canadense.

Ódio, Amizade, Namoro, Amor, Casamento (2001): O livro inclui o conto que deu origem ao filme "Longe Dela", de Sarah Polley, sobre uma mulher com Alzheimer que se apaixona por outro homem quando o marido a interna, angustiado, em uma casa de repouso.

Fugitiva (2004): Nesta coletânea estão os contos que fascinaram o cineasta Pedro Almodóvar a ponto de transformá-los em seu filme "Julieta", uma das poucas adaptações literárias de sua carreira.

Felicidade Demais (2009): A autora explora vidas de mulheres que lidam com extremos da sedução e violência, partindo do conto que intitula o livro, uma ficção inspirada na vida de uma matemática russa que foi pioneira na ciência de seu país.

Vida Querida (2012): O último livro publicado por Munro em vida, um ano antes de ganhar o Nobel de Literatura, também é o único em que ela se dedica explicitamente a um punhado de narrativas autobiográficas.