Por: Bruno Molinero (Folhapress)

Novos autores ampliam diversidade na cena literária indígena

levantamento do Instituto Vera Cruz mostra que, de 1996 a 2021, 163 títulos infantojuvenis de escritores indígenas de 21 etnias foram impressos no Brasil | Foto: Divulgação

"Índio quer mercado." Foram essas as três primeiras palavras de uma reportagem publicada em abril de 1995. No texto, eram apresentados os primeiros passos de uma literatura escrita por autores indígenas, entre eles Daniel Munduruku e Kaká Werá.

Décadas depois, quase tudo mudou. Já faz tempo que chamamos essas populações de indígenas. Tornou-se inimaginável usar uma caricatura linguística digna de filme dublado de faroeste na hora de se referir a esses povos, como se fossem incapazes de dominar perfeitamente o português. E há anos guaranis, macuxis, mundurukus, yanomamis e outras etnias já são realidade no mercado editorial.

Mas existe algo a mais. Agora, uma nova geração de escritores e ilustradores começa a despontar e a lidar com outros desafios dentro da literatura indígena brasileira - como, por exemplo, encontrar maneiras de aumentar o protagonismo de autoras mulheres, ainda baixo, e ampliar as fronteiras para além do infantojuvenil, levando às livrarias também romances, contos, poesias, crônicas e ensaios.

"Eu faço uma curadoria para o Instituto Oceanos e já contabilizamos 156 autores indígenas no Brasil hoje", afirma Kaká Werá, um dos pioneiros. "É uma diversidade grande, que segue forte, mesmo depois de um governo que nos atacou de maneira nunca vista na história, talvez só no período colonial", diz o escritor, descendente de tapuias e acolhido pelos guaranis.

Embora livros pontuais até tenham sido publicados em décadas anteriores, a linha do tempo da literatura indígena no Brasil aponta o início dos anos 1990 como momento de formação. São dessa época obras como "O Índio Aviador", de Marcos Terena e Atenéia Feijó, e "Histórias de Índio", de Munduruku.

O período coincide com o fortalecimento do movimento e do ativismo identitários, muito incentivados pela Constituição de 1988, na qual há um capítulo dedicado a essas populações. Desde então, ficou quase impossível separar a literatura da luta por direitos.

Logo em seguida, vieram uma parceria com a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, além de incentivos do governo federal, que criou editais para compras de obras com temáticas indígenas para escolas e bibliotecas e implementou a lei 11.645/08, que incluiu o ensino de culturas originárias e afro-brasileiras nas salas de aula.

Somadas, essas iniciativas ajudaram a direcionar definitivamente as publicações desses povos para um leitor específico - as crianças e os adolescentes.

Levantamento

Para se ter uma ideia, um levantamento feito por Carolina Bueno Nogueira no Instituto Vera Cruz mostrou que, de 1996 a 2021, 163 títulos infantojuvenis de escritores indígenas de 21 etnias foram impressos no Brasil. Além dos já citados, há figuras como Olivio Jekupe, Eliane Potiguara, Yaguarê Yamã e Graça Graúna, por exemplo.

"Eu nunca tinha pensado em publicar para esse público", conta Xadalu Tupã Jekupé. O artista plástico tem obras em instituições como o Museu de Arte Moderna de São Paulo e acaba de lançar seus dois primeiros livros, ambos infantojuvenis. "Lá na aldeia, o cacique fala que acredita muito nas crianças de hoje, porque elas têm a oportunidade de fazer tudo diferente no futuro."

Pela editora Piu, o autor guarani publicou "Cadê Cadê", com texto de Paula Taitelbaum. E, quase ao mesmo tempo, chegou às livrarias "O Caminho para a Casa de Barro", feito em parceria com Rita Carelli e editado pela Baião, selo infantojuvenil da Todavia. De formas diferentes, ambos escancaram os efeitos catastróficos dos ataques do homem branco contra as sociedades indígenas e a natureza.

Tudo é tão atual que chega a ser tentador enxergar neles um clarão premonitório. Nascido em Alegrete e morador de Porto Alegre, o ilustrador viu sua casa e seu ateliê serem alagados pelas enchentes que arrasaram o Rio Grande do Sul. Provisoriamente no Rio, onde participa de uma residência artística no Museu Nacional de Belas Artes, ele terá uma exposição individual aberta na instituição em 2025.

Carolina Bueno diz ser otimista e vê o cenário ficando mais equilibrado. No ano passado, por exemplo, o livro "Guerreiras da Ancestralidade" ganhou o prêmio Jabuti. Gratuito e organizado pelo Mulherio das Letras Indígenas, com Eva Potiguara e Vanessa Ratton à frente, o volume reúne gêneros que vão da poesia à crônica, sem ficarem restritos à temática infantojuvenil.

"Essa é a próxima fronteira a ser superada. Na publicação para adultos, ainda predominam pessoas que falam por nós, sobre nós, através de nós", afirma Werá.