Por: Walter Porto e Isadora Laviola (Folhapress)

A alma encantadora de João do Rio

Flip 2024 homenageará João do Rio (1881-1921), o jornalista negro que foi um dos pais da crônica moderna brasileira | Foto: Reprodução

A 22ª edição da Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, vai homenagear o cronista João do Rio (1881-1921). O jornalista negro, que fez fama no início do século 20 como autor de um estilo pioneiro na imprensa carioca, será celebrado no evento que acontece de 9 a 13 de outubro.

Segundo o diretor artístico da festa, Mauro Munhoz, o homenageado mudou a maneira de fazer jornalismo no Brasil ao entender o ofício como literatura.

O autor quis transformar sua profissão em arte, para Munhoz, e "desempenhou um papel crucial ao documentar a vida urbana do Rio de Janeiro com uma perspectiva única e detalhada"

Ana Lima Cecilio, curadora desta edição da Flip, destaca a intenção de homenagear um cronista, autor de um "gênero totalmente brasileiro", e diz que João do Rio era uma figura cheia de contradições que ajudam a "explicar o Brasil".

"Por um lado, era fascinado por Paris, por outro, subia o morro com muito gosto, da mesma forma que o Rio era uma cidade dividida entre a fome de progresso e o convívio com sua formação", aponta a livreira.

É o quarto escritor negro homenageado pela Flip desde sua criação em 2003, depois de Maria Firmina dos Reis, Lima Barreto e Machado de Assis.

Nascido de pai branco e mãe negra como Paulo Barreto em 1881, João do Rio trabalhou sob outros pseudônimos e foi alçado a uma vaga na Academia Brasileira de Letras aos 29 anos, quando já era popular na imprensa da cidade.

O cronista da "belle époque carioca" publicou 25 livros - entre eles "A Alma Encantadora das Ruas", de 1908, e "Dentro da Noite", de 1910 - e mais de 2.500 textos em jornais e revistas.

A obra do autor está em domínio público e tem antologias recentes na Carambaia e na José Olympio, selo da Record, com publicações também pela Companhia de Bolso, Martin Claret e UFMG, entre outras.

João do Rio morreu na mesma cidade em que nasceu, após um ataque cardíaco. O que lembra outra contradição: era tão admirado que arrastou uma multidão de estimadas 100 mil pessoas em seu velório, mas hoje seu nome segue quase esquecido - algo que a Flip deve mudar.

O anúncio do homenageado acontece a quatro meses da festa, e a falta de antecedência nas divulgações da Flip 2024, como a definição da data em que o evento aconteceria, tem gerado queixas de editores.

Ainda não há nenhum autor confirmado publicamente na programação, que será comandada por Cecilio após três anos de curadorias coletivas.

 

Um cronista irônico e mordaz

Affonso Nunes

Com agudeza de observação e ironia mordaz, João do Rio, pseudônimo do jornalista, cronista, contista, romancista, tradutor e teatrólogo Paulo Barreto, desvendava os costumes, os tipos sociais e as contradições da elite carioca. Sua escrita era rica em detalhes, permeada por humor ácido e crítica social, revelando os bastidores da alta sociedade e expondo as mazelas da realidade urbana.

Frequentador e testemunha ocular do que acontecia em todas as partes do Rio de Janeiro de sua época, João tinha como temas recorrentes em sua obras a vida mundana da elite carioca (bailes, festas, teatros, cassinos e outros eventos sociais); os diferentes tipos sociais da cidade, da elite aos excluídos; as transformações da cidade e suas contradições sociais seculares; as relações amorosas, a sensualidade e a sexualidade em suas diversas nuances; e forte crítica social que condenava a corrupção, as desigualdades sociais e os valores dúbios da elite dominante.

mesmo produzida há mais de um século, sua obra continua atual e relevante, convidando a leitor a mergulhar na atmosfera da Belle Époque carioca e refletir sobre temas que transcendem o tempo e o espaço.

AUTORES HOMENAGEADOS DAS EDIÇÕES ANTERIORES

2023: Patrícia Galvão, a Pagu

2022: Maria Firmina dos Reis

2021 e 2020: Não houve

2019: Euclides da Cunha

2018: Hilda Hilst

2017: Lima Barreto

2016: Ana Cristina Cesar

2015: Mário de Andrade

2014: Millôr Fernandes

2013: Graciliano Ramos

2012: Carlos Drummond de Andrade

2011: Oswald de Andrade

2010: Gilberto Freyre

2009: Manuel Bandeira

2008: Machado de Assis

2007: Nelson Rodrigues

2006: Jorge Amado

2005: Clarice Lispector

2004: Guimarães Rosa

2003: Vinicius de Moraes