Por: Olga de Mello | Especial para o Correio da Manhã

CRÍTICA LIVROS: A novidade se repete

Coluna livros 21/6/2024 | Foto: Divulgação

Repetição, fórmula, exigências do mercado podem levar a desgaste do autor ou deleite do público? Provavelmente, a segunda possibilidade é a correta. Enquanto muitos leitores se queixam da falta de novidades em termos de ficção, boa parte dos criadores de literatura se apega a modelos consagrados para montar tramas - e nem sempre por preguiça, mas para oferecer ao leitor o que ele espera de uma boa história. A literatura policial é um dos gêneros em que a inventividade não conta tanto quanto a fixação de um estilo que conquista o público.

Agatha Christie escreveu histórias com o mesmo número de capítulos e desfechos nos quais quase sempre havia a reunião de suspeitos com o do elucidador do mistério. Quando ousava arriscar-se fora do molde, criava obras-primas, entre elas E não sobrou nenhum (Globo Livros, R$ 43), conhecido anteriormente como O caso dos dez negrinhos - que teve o título trocado para evitar ilações racistas.

Madame Agatha, que morreu em 1976, aos 85 anos, até hoje vende, em média, 4 milhões de exemplares anuais, que se somam aos 2 bilhões de cópias comercializadas de 66 romances, 19 peças teatrais e dezenas de coletâneas de contos. Como autora, só perde para Shakespeare e para a Bíblia em vendas constantes. Se Christie contribuiu não apenas para a popularização do thriller, mas para a construção de um ideal utópico da vida britânica do século XX, seus bisnetos literários continuam atrelados a fórmulas.

Há anos o prolífico norte-americano Harlan Coben oferece tramas em que cada capítulo desmonta as certezas apresentadas anteriormente no enredo - uma tônica da novela de mistério. Já vendeu mais de 70 milhões de livros planeta afora.

Mais modesto, desde 2018, A mulher na janela (Arqueiro, R$ 42), de A.J.Finn, pseudônimo de Dan Mallory, vendeu um milhão de cópias no mundo. O segundo thriller do autor, Ponto final (Arqueiro, R$ 69), procura um novo ângulo para tratar do mistério, mantendo, contudo, o protagonismo feminino como guia do enredo que aborda os últimos dias de vida de um escritor marcado por uma tragédia pessoal. Sabendo que está prestes a morrer, ele convoca uma especialista em literatura de suspense para escrever sua biografia e tentar descobrir os motivos do misterioso desaparecimento de sua primeira mulher e do filho, menino, do casal, vinte anos antes.

Fora do universo do suspense, a celebrada Deborah Levy é outra que repete o mecanismo de descobertas de seus protagonistas em lugares distantes da rotina habitual. Em seus romances, é quase certo que alguém estará de férias ou passando um período distante de casa. O deslocamento e o não pertencimento dos personagens vai levá-los a esclarecer todos os entraves que emperraram, até então, a existência. Em Nadando de volta para casa (Rocco, R$ 40), que a fez finalista do Booker Prize, em férias na Riviera Francesa, um escritor britânico se vê assediado e tem o casamento ameaçado por uma jovem admiradora.

O mais recente livro de Levy, Agosto azul (Autêntica Contemporânea, R$ 55), percorre diversos cenários na Europa - Viena, Atenas, Paris, Londres, Sardenha, para descrever o estranhamento de uma pianista virtuose que desconhece suas próprias origens. O texto intrigante tem efeito hipnótico sobre o leitor - algo comum em sua obra, incluindo a autobiográfica.

A fórmula continua funcionando.

 

A poesia encantadora de Dan Fante

Coluna livros | Foto: Divulgação

Por Luis Pimentel | Especial para o Correio da Manhã

O sobrenome chega antes, claro. Afinal, remete a um dos maiores escritores de todos os tempos, o norte-americano John Fante (1909-1983), autor de obras seminais e universais como "Pergunte ao pó" e "1933 foi um ano ruim". Mas o Fante em questão chama-se Dan, é filho do John, e tem um estupendo volume póstumo de poemas lançado agora no Brasil.

O livro "Cara a cara com os nebulosos olhos de Deus", que tem tradução esmerada de Edivaldo Ferreira, é uma reunião de poemas de Dan Fante (1944-2015) selecionados pelo escritor Matheus Peleteiro. Os poemas transbordam emoção e falam sobre juventude, decadência, sexo, paixão, literatura, existência e, claro, sobre a sua relação com o pai superfamoso e de temperamento polêmico.

Dan Fante, em cujo livro vamos encontrar versos contemplativos e misteriosos como esse ("Encontrei o mais faminto e desprezível dos gatos / Enquanto lia um livro sentado num banco / Fumando meio maço de Lukies em Venice Beach") é ainda autor de romances, coletâneas de contos e textos teatrais.

Na edição bonita e caprichada da editora baiana P55, o escritor, dramaturgo e diretor teatral Mário Bortolotto garante: "Uma poesia que te leva irrestritamente em uma viagem para dentro de você, para celas de prisão, para trás de um volante de táxi em turbilhões repletos de um romantismo extremado, um romantismo de santos de sarjeta. Uma poesia sobre a 'podre tarefa de encarar mais um dia', de 'existir na escuridão' para se sentir a salvo. Mas é, acima de tudo, uma poesia sobre a maldição do sangue, sobre amar um pai, sobre não ser amado, sobre odiar esse pai e sobre perdoar, sobre voltar a amar. Sobre voltar pra casa".

"Cara a cara com os nebulosos olhos de Deus" - que tem lançamento carioca na próximo terça-feira (25), a partir das 19h, na Livraria da Travessa do Leblon (Rua Afrânio de Mello Franco, 290) - inaugura a coleção Poesia 55, da P55, editora baiana independente que, desde 2002, realiza projetos culturais diversos, tendo publicado centenas de livros próprios, com foco nos segmentos de arte, fotografia, literatura e memória.