A escritora argentina Claudia Piñeiro teve seu prestígio consagrado internacionalmente - fora do âmbito da língua espanhola - em 2022, quando a tradução para o inglês de um de seus romances, Elena sabe (Morro Branco, R$ 54,90) foi indicada ao Booker Prize. Uma das principais autoras de thrillers latino-americanos, teve discreta acolhida de três títulos no Brasil - As viúvas das quintas-feiras (Alfaguara), Betibu e Tua (ambos pela Verus/Record) —, o último publicado há quase dez anos. Agora, chegam ao mercado local, por duas editoras diferentes, Elena sabe e Catedrais (Primavera Editorial, R$ 59,90).
Leitor algum deve sucumbir à tentação de acabar um livro de determinado autor e iniciar a leitura de outra obra do mesmo escritor. As comparações serão inevitáveis e perde sempre o segundo. Foi o caso de Elena, novela de construção sólida e lenta. Os dois títulos tratam de crimes vagarosamente desvendados. Elena é mãe de Rita, cujo corpo é encontrado no campanário de uma igreja. Sofrendo de Parkinson, vivendo à base de remédios, ela não se conforma com o laudo de suicídio da filha, com quem manteve uma relação de animosidade constante e companheirismo ao longo de anos. Em Catedrais, investigações policiais concluem que uma jovem foi estuprada antes de ter o corpo desmembrado numa madrugada. Trinta anos mais tarde, a realidade surge através das lembranças e dos encontros da família, tão dilacerada quanto a moça.
Os dois títulos estão entre os que mais discutem a condição feminina em um país de tradição católica, mostrando as contradições da fé e da realidade, e o quanto a religiosidade fanática está mais relacionada ao controle social do que à libertação espiritual. A projeção obtida com As viúvas das quintas-feiras, que, como Betibu, teve adaptação cinematográfica, garantiu a Piñeiro um posto no panteão de escritoras de suspense que, nesses dois títulos tratava da decadência da sociedade argentina em vista da insegurança econômica depois da volta da democracia, sob o ponto de vista masculino. As mulheres testemunham, ainda que também sofram, as desventuras de homens que se aferram a papeis sociais inexistentes ou em vias de extinção. Elena e Catedrais, no entanto, são centrados na sobrevivência feminina diante do patriarcado.
A questão da mulher na contemporaneidade ganha um olhar personalizado em Todas as minhas mortes (Citadel, R$ 55,10), de Paula Klien, que embarca na autoficção para trazer suas experiências pessoais como bandeira libertária num texto hipnótico. A descrição de suas descobertas sensuais domina o início do relato, discutindo questões atuais, entre elas o direito ao aborto e a reprodução assistida. Em algum momento, ela se vê como destinada à maternidade e carrega cinco embriões no ventre que nascem em parto normal prematuramente e não sobreviveram. São algumas das mortes que Paula vivencia antes de, finalmente, ter seu filho biológico.
Em tempos de questionamento em torno da obrigatoriedade de gerar uma prole, Paula Klien invoca a ancestralidade do feminino e o poder materno como um destino biológico que obedece a uma pulsão acima do racional.