Os temas clássicos de Stephen King estão presentes em "Mais Sombrio" na forma de histórias de fantasmas, assassinos, cientistas malucos, invasões alienígenas e criaturas monstruosas: a crítica ao individualismo que produz a monstruosidade da solidão e do isolamento; a violência que irrompe subitamente, seja num ato de loucura, seja pela frieza de um psicopata; a loucura, cujas raízes podem ser traçadas pela imersão em uma realidade brutal ou pela história sangrenta dos Estados Unidos que se perpetua nos indivíduos.
A esses temas, King também adiciona reflexões sobre o envelhecimento, um dos grandes temas da coletânea, presente em histórias como "Cascavéis" - uma espécie de continuação independente do romance "Cujo", grande destaque do livro.
Em quase 100 páginas, King tece uma história de fantasmas que se passa durante a pandemia de Covid nos pântanos da Flórida, que trata com doses iguais de doçura e violência a persistência dos traumas do passado em uma comunidade isolada, com personagens já com mais de 70 anos.
A doença e a degradação corporal aparecem em diversos contos e parece se impor devido ao engajamento de King com a pandemia. É notável como o autor é atento para os efeitos sociais e individuais que ela produziu nos Estados Unidos, em especial no sentido do fraturamento do coletivo e das relações.
Nunca estivemos tão sozinhos, parece sugerir King, e por isso mesmo nunca estivemos tão fragilizados perante a violência da realidade. Em "Tela Vermelha", conto clássico de inquérito policial, o assassino deixa de ser um psicopata e se torna um conspiracionista de internet, que assassina sua esposa acreditando que ela é uma invasora alienígena.
Ao escrever todos os relatos sobrenaturais em primeira pessoa, King alude ao fato de que estamos todos à deriva em nossas próprias fantasias. O sobrenatural aparece menos como um dado da realidade e mais como forma possível de interpretação para um mundo cada vez mais complexo e afastado de soluções reais e palpáveis.
Ao investir na dúvida, e não na exposição, "Mais Sombrio" acena a uma tradição mais realista da literatura americana, em especial ao chamado gótico sulista, de Flannery O´Connor e Cormac McCarthy, citados nominalmente.
De forma quase didática, no conto "Os Sonhadores", um cientista com tintas lovecraftianas decide investigar as profundezas do sonho de pacientes. O que emerge desse experimento é a versão de King do substrato sombrio do sonho americano que, tal como um vírus, contamina tudo a seu redor.