Por: Olga de Mello | Especial para o Correio da Manhã

CRÍTICA LIVROS: Textos para o inverno

 

Já que o inverno este ano emplacou em muito recanto quente de Pindorama, listar sugestões de leituras para essa temporada de aconchego na rede é obrigatório. Passando por prosa poética, reflexão a respeito do momento, a crônica de uma amizade, uma pesquisa detalhada do quanto um artista incomoda os conservadores, esses livros ficcionais ou ensaísticos combinam perfeitamente com dias longos de introspecção, como bem pede a estação.

A sonoridade poética de Erês, guris, bacuris e outro putos (Kimera, R$ 48) começa no título escolhido pelo escritor, roteirista e dramaturgo Tonio Carvalho, que estreia na literatura para adultos com contos que retratam a vida miserável de crianças, destacadas sob as diferentes denominações recebidas em países lusófonos. Se a realidade brasileira é facilmente reconhecida nos cenários que acolhem as populações pobres - e onde esses moradores sofrem assédios constantes pela violência do Estado ou dos que não conseguem se integrar à sociedade - , o curto período de existência desses invisíveis sociais se apresenta em outros países, nos quais a infância só tem componente lúdico para quem, por acaso biológico, nasceu em berço de ouro.

Descrito como o inventário de décadas da amizade do jornalista Bosco Martins e do poeta Manoel de Barros, Diálogos do ócio (De los Bugres, R$ 70) é um verdadeiro dossiê sobre o escritor, que morreu há dez anos. Fotografias, trechos de cartas, fragmentos de entrevistas, declarações de Barros e de seus amigos sobre sua persona e obra poética estão no livro que permite traçar tanto um perfil multifacetado do homem por trás do artista mato-grossense quanto destacar a importância de sua criação para a literatura brasileira.

Nas primeiras décadas do século XX, Paris era a Meca dos artistas do mundo todo. Além dos escritores que mudaram a estrutura do romance na época (F. Scott Fitzgerald, James Joyce, Ernest Hemingway), não foram poucos os pintores que se encontraram na capital francesa, entre eles o espanhol Pablo Picasso, que, ao longo do século seria considerado o maior entre todos os artistas plásticos de sua época. Radicado na França, ele jamais obteve cidadania no país, onde por muito tempo não conseguia expor seus trabalhos devido às posições políticas e também ao estilo de vanguarda de suas obras. Picasso, o estrangeiro (Record, R$ 93), da historiadora Annie Cohen-Solal trata da vigilância em torno do artista que escolheu viver na no Sul da França, contribuindo para divulgar a cultura francesa.

A bucólica capa de Tom Lake (Intrínseca, R$ 62,90), de Ann Pratchett, contrasta - e muito - com o texto delicado, mas melancólico das recordações de uma ex-atriz sobre seu namoro de juventude com um astro do teatro e cinema. Isoladas na fazenda da família, em Michigan, as três filhas de Lara pedem que a mãe fale sobre "a vida de antes". Em entrevistas, Pratchett diz que dificilmente os filhos acreditam que a vida dos pais tenha sido interessante antes de iniciarem uma família. Essa convicção imatura foi a base do romance que trata não apenas das guinadas existenciais, mas que escolhas nem sempre se fundamentam no glamour e sim na compreensão e companheirismo, que Lara encontrou no pai das filhas.