Por:

Luiz Carlos Lacerda: Ainda o Rio

Capa de Rio, da Glória a Piedade | Foto: Divulgação

Não tenho autoridade para me manifestar sobre a totalidade da obra poética de Alexei Bueno, mas a forma como ele escolheu se apresentar nessa espécie de Ode à Cidade do Rio de Janeiro, a antologia "Rio, da Glória à Piedade", me deu a boa impressão que ele optou pela mais representativa das maneiras cariocas de evocação: pelo viés da Poesia; e uma Poesia amparada pelo o que mais nos caracteriza - o erotismo. E um erotismo que , apesar de paginado pela métrica perfeita e pelas rimas ricas, dialoga com a escatologia - essa outra manifestação da liberdade de expressão na sua essência.

Um Augusto dos Anjos que desembarcasse no cais Pharoux, pedisse um lápis e um papel desses de embrulhar muitos maços de cigarros, para ali depositar, na pressa com parentesco na escrita automática dos surrealistas, suas impressões urgentes sobre o Rio de Janeiro.

O que dizer de:

"Urinei nas pias
Vomitei nas portas,
Com passadas tortas
Vi nascer os dias."
E, adiante
"...Fugindo de sua barba desembarcam
Na barba, entre as crateras da bexiga.
Vão em caça aos piolhos."

Mas tudo localizado na geografia da Cidade. Identificada pelos passos dos outsiders. E seus miasmas a cada porta :

"O ouro vítreo das tulipas,
Os sinos nas rijas torres,
As querelas entre os porres
O óleo sujo a fritar tripas."

Nem o deixam descansar no Passeio Público, pois

"Como a vida cansa.Fosse eu já um busto
Num jardim bem sujo entre espinheiros rombos,
Meu crânio lustroso sob um sol adusto
Ficaria branco com as fezes dos pombos."

E ao entrar num Sebo da Praça Tiradentes, nem se espanta porque

"Nas lojas ocas
Só os ratos leem as poesias loucas
Que os cupins compuseram com suas fezes."

E respira o perfume das ruas

"O carbono e a gordura que se alteia
Dos pastéis na fritura, entre os arrotos
Dos bebuns a babar sobre os esgotos."

Cético olhar sobre o que a Cidade lhe oferece, em tom de quem se despede :

"Nada brilha.O silêncio deixa ouvir
Como uma folha arranha o pavimento.
Tambores, cordas, cuicas são o vento
Que sopra com preguiça de existir. "

Não uma preguiça macunaímica, o olhar do colonizador passante. Nem dá chance ao estrangeiro de vislumbrar uma "desdentada Baía de Guanabara". Porque não tem juízo. Porque não tem vergonha de sua gargalhada diante do espelho. É o lado B da bandeja de asa de borboleta com a paisagem carioca.

Uma Poesia movida a sirenes de emergência e estupefacta com o que assiste e descreve. Uma participação que traz um fôlego capaz de justificar todo o esforço para a publicação de uma antologia em tempos de zap e outros bichos.