Por: Guilherme Luis (Folhapress)

O romance que provocou um exílio

As autoras Elena Malíssova e Katerina Silvánova: a russa foi ameçada de morte e até de prisão | Foto: Divulgação

Arussa Elena Malíssova já escrevia romances gays muito antes de ser ameaçada de morte por causa de um deles. Recém-lançado no Brasil, seu "Verão de Lenço Vermelho" viralizou na Rússia e a projetou para o mundo. Mas uma perseguição liderada por grupos homofóbicos e políticos conservadores há fez fugir do país há dois anos.

Em meio ao caos, encontrou apoio na amiga ucraniana Katerina Silvánova, que escreveu o romance com ela. Juntas, elas criaram a história do menino Iura, que decide visitar o acampamento onde, na adolescência, viveu o amor mais importante da sua vida com um garoto chamado Volódia. Enquanto rememora sentimentos, ele procura ali vestígios do antigo amado.

Sua relação impossível começa nos anos 1980, sob o regime da União Soviética, quando o sexo entre homens era proibido por lei e homossexuais eram considerados doentes.

A Rússia pouco mudou, desde então, a forma como trata pessoas LBGTQIA . O país proíbe, desde 2013, a promoção do que considera "relações sexuais não tradicionais" - o que chama de "propaganda gay". O pretexto da lei era a proteção de crianças, mas há dois anos ela foi endurecida, estendendo a proibição da tal propaganda também para adultos.

Em paralelo, a Rússia aumentou a censura contra produtos culturais de temas queer, com livros e filmes sendo cada vez mais cerceados, como no caso de "Verão de Lenço Vermelho", banido por lá.

A perseguição começou no Telegram, com grupos de pessoas pedindo que fosse censurado. Os argumentos eram de que a trama suja a história da União Soviética, faz apologia ao fascismo por criticar o comunismo, contém pornografia e incentiva a pedofilia - ainda que os protagonistas tenham apenas dois anos de diferença, um com 16 anos e o outro, 18.

"Esses grupos tinham milhares, até milhões de participantes. Usavam nossas fotos, diziam que queríamos transformar seus filhos em gays, escreviam que iriam nos matar", diz Malíssova à reportagem por videoconferência.

Apoiadores da comunidade LGBTQIA , como as escritoras, são rejeitados pela sociedade russa e, em alguns casos, punidos com multas e até prisão, a depender de quão grave o governo considera a infração. Desde o fim do ano passado, a Rússia considera "movimento internacional LGBTQIA " uma causa extremista.

A preocupação delas aumentou quando a caça ganhou endosso político, com ameaças de prisão. Malíssova cita o deputado Vitáli Milónov, que atua há oito anos no Legislativo russo, que é conhecido por se opor a direitos LGBT.

O livro foi publicado na internet, de graça, e viralizou no Twitter, onde leitores repercutiam a obra com desenhos e comentários. Em meados de 2020, a febre migrou para o TikTok, bem na época em que a rede virou ferramenta fundamental para impulsionar a venda de livros. Foi quando atraíram atenção de uma editora e o livro foi parar nas livrarias. O resto é história.