Christovam de Chevalier: 'Os livros deveriam estar na cesta básica do brasileiro'

Por Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Christovam de Chevalier

Numa celebração de 25 anos de dedicação à escrita, num périplo pelas letras que rendeu joias como "No Escuro Da Noite Em Claro", o poeta e jornalista Christovam de Chevalier abre a torneira de seu lirismo e inunda as livrarias com uma coletânea inédita de poemas. O livro se chama "Da Lida Do Tanto Da Vida" e entra em venda agora em agosto, via editora 7Letras. Seu miolo traz estrofes de requinte como "A poesia estava/ presa no quarto/ trancada a chave/ no breu do parto/ Perdida no porão/ dentro da cabeça/ lá entre os vãos/ virada do avesso/ Estava à espreita/ da sua liberdade./ E, não satisfeita,/ quer calamidade".

A primeira parte de sua seleção de versos se debruça sobre a relação com a escrita. A segunda parte do livro é uma compilação de achados sobre o amor, esse moleque dengoso. Já a terceira parte é coalhada de textos provocados por fatos ora relevantes, ora corriqueiros, mas todos verídicos.

No papo a seguir, Christovam, que é editor do site de notícias "New Mag", fala sobre o lugar do poema no mercado editorial brasileiro.

Qual é o espaço que a poesia ocupa hoje na cena brasileira das editoras e de que maneira um/a autor/a pode se equilibrar nas brechas que o mercado oferece?

Christovam de Chevalier: O espaço que a poesia ocupa hoje é amplo e mais democrático, ainda que ela não tenha ainda a visibilidade que mereça. Há no Brasil o estigma de que a poesia é hermética, difícil e só acessível a poucos. Isso é algo cultural, arraigado na forma como a poesia é trabalhada nas escolas. Há hoje muitas pequenas editoras interessadas em poesia, e isso é muito bom. Elas poderiam ser mais criteriosas, é vero, mas é importante que existam. O calcanhar de Aquiles ainda é a distribuição, precária em muitas delas, mas, hoje, as redes sociais ajudam a transpor as divisas geográficas, e a poesia de um autor no Rio de Janeiro pode chegar aos rincões do país e vice-versa. Todo mundo tem um celular hoje em dia, mas o mesmo não acontece em relação aos livros. Os livros deveriam estar na cesta básica do brasileiro. Talvez consigamos mudar isso daqui a vinte anos. Quem sabe?

Qual é a dimensão metafísica consciente que seus versos buscam?

Sou um jornalista ligado aos fatos e um aquariano fajuto. Então, não me ligo nisso de metafísica. A única pretensão que tenho em relação à poesia é a de ser honesto comigo e com o leitor. Sou um poeta lírico. Gosto de rimas, de métrica e o uso de aliterações são uma marca no meu estilo. Notei que, do "Inventário de esperanças" (lançado em 2021) para cá, minha poesia ficou mais politizada em razão da pandemia e do retrocesso que se impôs no país recentemente. Minha poesia está politizada e não perdeu o lirismo e vejo isso com bons olhos. Estou mais provocativo nesse novo livro e isso vem do fato de ter 48 anos. Vamos ver por quais caminhos a poesia vai me levar.

Vejo a solidão como um dos temas mais recorrentes de seus versos? Que mirada você dedica ao tema e como ele se transforma na sua escrita?

O amor é um tema latente na minha poesia e ele está presente em todos os meus livros. Talvez a solidão tenha chamado sua atenção em razão da forma como lidamos com o amor nesses tempos de relacionamentos líquidos, frugais e de falsa hiperconectividade. A maioria dos meus amigos busca seus parceiros através de aplicativos. As pessoas se satisfazem com o sexo casual e descompromissado e, muitas vezes, a sensação de vazio é a que fica após a efêmera euforia do match. Falo de amor, mas acontece que o amor que conhecemos hoje está repleto de ausências e silêncios nos seus meandros.

De que maneira o poeta que você se tornou contamina o jornalista que você é e vice-versa?

Tanto o poeta quanto o jornalista foram contaminados pelos autores que li e pelas músicas que ouvi desde que me entendo por gente. O poeta que sou foi forjado pela voz da Maria Bethânia. Foi através dos seus LPs que cheguei à poesia do Fernando Pessoa e à literatura da Clarice Lispector, e, a partir desses autores, cheguei a outros poetas e ficcionistas. A Bethânia me educou para o mundo e para a vida. A voz dela ainda é o melhor antídoto para eu lidar com a precariedade do mundo de hoje.