Multi-artista com mais de 20 livros publicados, Elisa Lucinda divide seu tempo com seus trabalhos nas artes cênicas e em artigos para jornais e revistas. Foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura em 2015, com o livro "Fernando Pessoa, o Cavaleiro de Nada"; e finalista no Prêmio Jabuti em 2022, com "Quem Me Leva Para Passear". Pela coleção infantil "Amigo Oculto" ganhou o prêmio Altamente Recomendável da FNLIJ, a Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil, em 2002.
Fundou, com Geovana Pires, o Instituto Casa Poema - que desenvolve projetos para popularizar e usar poesia como equipamento de cidadania. Em 2009, recebeu o Prêmio Bertha Lutz por sua obra em defesa do direito e valorização da mulher. Em 2020, ganhou o Prêmio Especial do Júri do Festival de Cinema de Gramado pelo conjunto da obra. Na Academia Brasileira de Cultura, ocupa a cadeira 41 que pertenceu a Olavo Bilac.
Nesta entrevista ao Correio, Elisa fala sobre seu livro mais recente e antecipa seus projetos futuros.
como foi a escrita do livro de poesia "Encontro com a Invenção"? O livro nasceu de parto normal ou a fórceps?
Elisa Lucinda - Olha, eu nunca tive um livro que nascesse a fórceps, nem "Fernando Pessoa, o Cavaleiro de Nada", uma autobiografia que eu fiz do poeta português. Havia uma vontade de escrever mais e mais. Então, assim, não tenho livro que tenha vindo ao mundo a fórceps, mas esse "Encontro com a invenção" nasceu muito fácil. Nasceu, escrevi e esqueci: coisa rara, coisa inédita. Escrevi ele em 2018 e guardei em uma gaveta. Em 2023, quando estava indo para gravar a novela "Vai na fé", a minha assistente na época, Sara Duarte, chegou e disse: "Elisa, olha o que achei aqui". E veio com uma caixa de inéditos. Ali tinha alguns livros que ainda vou publicar. Uns quatro, já encadernados. Porque gosto de tirar do virtual também, sabe? Aí levei esse que lanço agora para a televisão. E fiquei lá, na sala de elenco da TV Globo, folheando ele. O Samuel Assis, que é meu amado irmão, começou a ler os poemas em voz alta. Depois chegou a Rosane Svartman e incentivou: 'Isso dá um filme'. E fiquei tão impressionada com aquilo, que falei: 'Gente, essa literatura aqui tá viva'. Naquele momento eu já estava me reaproximando da Pallas, que foi a minha segunda editora na vida, falei desse livro, a Cristina Warth ficou apaixonada por ele e rolou. Estamos aqui!
O Vitor existiu para além da ficção ou a sua realidade também é obra da ficção?
O Vitor é uma obra de ficção e a sua realidade também é uma obra de ficção porque os amores são todos criados, né? Qual amor não criamos, né? Então eu gosto desse mix entre realidade e ficção que o Vitor parece ter.
Você conta que o formato do livro foi inspirado no "Romanceiro da Inconfidência", de Cecília Meireles. Além de Cecília, quais autoras brasileiras dialogam com as suas criações?
O formato foi inspirado, sim, no "Romanceiro", mas não uma inspiração direta e eu só percebi depois que estava pronto. Isso é muito interessante, eu só percebi depois, quando notei que tinha feito um livro inteiro de poesias contando uma história só. Caramba, foi isso que a Cecília fez com a Inconfidência Mineira, contando essa história com versos. Fiquei muito feliz. Amo a Cecília, uma mulher muito revolucionária, apesar de branca, do ponto de vista da cabeça anti-opressão - e que não parecia, porque ela não era clichê e fazia tudo com tanta delicadeza e cancioneiramente, que a gente não percebia que ela tava hasteando a sua bandeira de liberdade, ao seu modo, naquela época. Adélia Prado é outra mulher muito importante para a minha escrita. Depois vieram a Conceição de Evaristo e outras contemporâneas, mas, na minha formação, eram Cecília e Adélia quem estavam lá.
Com tantos papéis no teatro, no cinema e na televisão, qual tipo de personagem ainda falta interpretar?
Eu quero interpretar uma mulher gostosa, bonita, maravilhosa, fatal, moderna, avançada, carismática e de mais de 60 anos. Isso eu quero. Acho que o audiovisual está atrasado nesse sentido.
A peça "Parem de Falar Mal da Rotina" está em cartaz desde 2002. Na prática, como você dá vida ao mesmo texto há tanto tempo?
É que não é mais o mesmo texto! Tanto que fiz a edição revisada do "Parem de falar mal da rotina", outro livro pela Record, no ano passado. Estou sempre atualizando a peça. Quando começamos, por exemplo, nem existia a palavra 'assédio' como lei para nos proteger da importunação sexual - e também não existia essa expressão. Então o mundo mudou muito nesses 22 anos, e eu vou atualizando as visões e os avanços sobre os temas. Criança, educação, escola, amor, racismo, todos esses são os temas da estreia de cada dia. Tudo isso é tratado na peça, então o tronco dela é essa estreia. E eu provo isso estreando porque todo dia é uma estreia. "Encontro com a Invenção" é o meu 21º livro, mas eu nunca fiz um livro como ele, é o meu livro mais pequenininho de tamanho, um preço ótimo, um livro democrático e que fala do amor que nós inventamos, todos inventamos. Então, é uma estreia pra mim fazer um livro desse, como é uma estreia cada dia que eu subo no palco. Em cada temporada consigo fazer cada espetáculo diferente do outro. Essa é a manha do negócio.
Vira e mexe, tem um livro novo da Elisa Lucinda despontando nas livrarias. Escrever significa o que pra você?
Ai, que pergunta linda! Adoro que vira e mexe tem um livro novo da Elisa Lucinda nas livrarias porque adoro escrever. E o meu sonho é empatar. É publicar todos os livros que escrevo - porque estou sempre com vários livros novos aqui em casa. No momento, tenho mais quatro, além desse lançamento, sabe? Gosto muito de escrever e produzo muito. E o meu rigor, ele se resolve rápido, não é um rigor obsessivo. Não preciso fazer vinte mil revisões, embora goste de ler, ler, ler e achar erros novos, sabe? Ajeitar melhor um verso: adoro isso. Escrever, pra mim, é um modo de ver o mundo, pensar o mundo, produzir o mundo. E literatura é audiovisual. Tenho total consciência disso quando digo: 'Aquela boca gostosa vermelha olhando pra mim sob o céu azul' eu sei que estou pintando um quadro para o leitor ver. E esse leitor aperta um play imaginário e tudo se mexe e age como em um filme.
Quais são os planos para 2025, que já vai começar?
Bom, vou terminar o ano fazendo dois filmes e já começo 2025 trabalhando em outro filme. Tenho feito vários trabalhos com o Ministério Público do Trabalho de Recife e estou adorando falar sobre justiça. Vou fazer uma palestra no Supremo Tribunal Federal (STF), olha que chique! Depois de lançar "Encontro com a invenção" por algumas cidades, como São Paulo, Vitória, Brasília, Porto Alegre e Belo Horizonte, vou me mexer para lançar mais dois livros no próximo ano. Acho que ele é um livro que pode pegar, sabe? O Samuel Assis ficou doido pelo livro e ele, que tem uma identidade homoafetiva, me fez ver que o livro tem essa pegada universal do coração romântico. Estou envolvida em uma série e tenho algumas viagens internacionais em vista. Também fui convidada para atuar, ao lado da Prefeitura do Rio de Janeiro, em um projeto com quilombolas, com a Pequena África e professores. É um projeto cheio de pernas, muito legal, muito meu sonho de usar a palavra como equipamento de cidadania e inspiração para que surjam novos autores e novos leitores nesse Brasil. Há muitos planos e, além disso, tem dois documentários em curso: um sobre a minha vida e outro sobre o meu trabalho com a poesia. Ai, que delícia esse país quando a democracia respira!