Por: Por Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Frei Betto: 'Como bom mineiro, escrevo em silêncio'

Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, participa nesta quarta-feira (11) do Clube de Leitura do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e divide com o público sua coragem para expor as brutalidades institucionais do Brasil | Foto: Divulgação

As comemorações pelos 80 anos do mineiro de BH Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, aconteceram em 25 de agosto, data de seu aniversário, mas sua participação no Clube de Leitura do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), nesta quarta-feira, às 16h30, tem, em certa medida, um tom de celebração - não de suas primaveras, mas de sua coragem para expor as brutalidades institucionais do Brasil.

"Batismo de Sangue", que lhe rendeu o Jabuti em 1982, costuma ser o estandarte de sua peleja contra as práticas de violência do Estado, sobretudo as que foram perpetradas por agentes de farda verde oliva entre 1964 e 1985. Uma fatia desse período de ditadura, relativo à década de 1970, é contextualizado por ele em "Tom Vermelho do Verde", um de seus livros mais aclamados, que vai guiar o evento deste 11 de dezembro, sob a coordenação da curadora, escritora e produtora cultural Suzana Vargas.

A partir da construção da rodovia BR 174 (Manaus-Boa Vista), em plena gestão dos generais no Planalto, sua trama se detém sobre a dura realidade da população indígena amazônica Waimiri-Atroari, historicamente explorada por companhias mineradoras e madeireiras. A conversa no CCBB, que inclui a teóloga e jornalista Magali Cunha, revisita essa a vida desse povo num viés que vai além da ecologia, da antropologia e da denúncia, num 360° de poética e indignação.

Como o título desta entrevista sugere, Frei Betto, que trabalha na quietude, a observar e refletir, quer mais é ouvir as inquietações da plateia, como fez com as perguntas (a seguir) do Correio da Manhã.

Uma frase (in)digna de nota de Jair Bolsonaro, "Os índios são quase seres humanos", parece encontrar tradução genealógica no seu "Tom Vermelho do Verde". O quanto a sua escrita exorciza a opressão histórica aos povos originários?

Frei Betto: No romance "Tom Vermelho do Verde", editado pela Rocco, resgato a história e a dignidade de uma das etnias mais tradicionais do Brasil, o povo Waimiri-Atroari. Nenhum segmento da sociedade brasileira foi mais oprimido pelos 21 anos de ditadura militar, de 1964 a 1985, como os nossos povos originários. O romance é baseado em fatos históricos.

Como se deu sua imersão na realidade dos Waimiri-Atroari e o quanto os bastidores da construção da BR-174 se materializaram nas suas pesquisas para o livro?

Foram 10 anos de pesquisas. Infelizmente não me foi possível visitar a reserva indígena, devido à pandemia e ao fato de empresas como a mineração Paranapanema e a Eletronorte manterem os indígenas sob tutela, já que as terras deles possuem minerais preciosos, como urânio, mas entrevistei pessoas que conhecem intimamente os Waimiri-Atroari.

Em que momento na sua trajetória como escritor a fé vira literatura e a literatura vira um ato de fé?

A fé vira literatura em meus livros sobre espiritualidade. Atualmente redijo uma tetralogia sobre os evangelhos, pela editora Vozes. Duas obras já foram publicadas: "Jesus militante", que trata do evangelho de Marcos, e "Jesus rebelde", sobre o evangelho de Mateus. A literatura vira ato de fé em todo trabalho criativo. Sem fé na força e na magia da literatura não haveria alento para escrever.

O que a ditadura abriu de denúncia, de perplexidade e de poesia na sua escrita? Aliás, para onde ela vai agora? Que novos romances estão por vir?

Escritor eu sou desde a adolescência, mas virei autor graças à ditadura, quando minhas "Cartas da prisão", da Companhia das Letras, foram publicadas e se tornaram best-seller aqui e na Itália. Como bom mineiro, escrevo em silêncio. Só falo de um livro ao terminá-lo.

O que "Batismo de Sangue" simbolizou na sua formação como autor e o que o livro ainda revela sobre a época que retrata?

"Batismo de sangue" (Rocco) é uma obra que nunca parou de interessar aos leitores. Vem sendo editado desde seu lançamento, em 1982. Considero o livro - e o filme de mesmo nome, dirigido por Helvécio Ratton - documentos muito realistas do que foram os 21 anos de ditadura.

O que um ambiente de troca como o Clube de Leitura te oferece como espaço de investigação sobre a reverberação da sua prosa?

O espaço do Clube de Leitura permite divulgar a minha obra literária com um público qualificado e interessado. Prestigio muito o excelente trabalho que Suzana Vargas faz no Clube.

Que livros te fizeram amar a literatura? Que livro te fez autor?

Muitos: Monteiro Lobato, Jorge Amado, Júlio Verne, Michel Quoist, Saint-Exupèry, Rimbaud, Truman Capote e muitos outros.