Podemos dizer que o "Brasil Africano: Orixás, Sacerdotes, Seguidores", pensado para festejar os seus 50 anos de escrita, também abre as comemorações pelos seus 80 anos de vida?
Reginaldo Prandi - Sim, 50 anos de publicações e 80 de idade, mas os 80 terão que esperar um ano e pouco. Para os 80 já estamos com livros em edição em duas editoras (Pallas e Companhia das Letras), incluindo não ficção, ficção e literatura infantojuvenil. Espero chegar lá.
Quais foram as balizas usadas para escolher os textos desta obra, que foram produzidos e publicados ao longo deste meio século?
A ideia era mostrar o que pude registrar de mudanças nas religiões, mas também no meu modo de tratá-las. As religiões mudam e nossas cabeças também. Outro critério foi incluir livros de difícil acesso, extraídos de veículos hoje disponíveis só em bibliotecas.
O que mudou no mundo, sob a perspectiva da fé, neste tempo em que você pesquisa sobre religiões afro-brasileiras?
A fé hoje é artigo de consumo não obrigatório. Tem pra todos. Religião não é mais aquela em que se nasce, mas a que se escolhe. Também, não ter fé religiosa alguma já não é nenhum desdouro.
Este mês, estreia em São Paulo uma peça com dramaturgia sua. "Pecados da Salvação". Já assistiu a algum ensaio? O que sente com essa estreia? Planos de viajar pelo país com esse texto?
Vou ver um ensaio geral nesta semana. Só sei alguns trechos. Sou muito palpiteiro e a minha presença em ensaios mais atrapalha que ajuda. Não sou da produção, mas esperamos que a peça viaje depois da temporada paulistana.
Você defende a ideia que os estudos sociológicos sobre religião se alastraram pelo país com a popularidade dos cursos de pos-graduacao, dos anos 1970 para cá. A que você atribui esse fenômomeno?
Simples: muito mais estudantes, projetos, mais instituições universitárias bancando as pesquisas. Enquanto isso, a partir dos anos 1960, houve grande popularização do candomblé por artistas e intelectuais.
Daqui até o próximo ano, você deve lançar mais quatro livros, certo? Um pela Pallas e três pela Companhia das Letras. Já estão escritos? Pode nos adiantar as temáticas dos livros?
Os quatro já estão nas editoras. Livros demoram para ser bem editados. Um é sobre as diferentes religiões no Brasil, outro é uma releitura de "Mitologia dos Orixás". Há também um livro sobre meu trabalho de campo nos terreiros, e um quarto fala da rua em que moro há mais de 40 anos e das ameaças por que tem passado com o avanço das grandes construtoras que devoram rapidamente as casas que encontram pela frente.
Você é praticante de alguma religião de matriz africana? Enfrenta algum preconceito por ser branco e nascido em São Paulo?
Trabalho com muitas religiões diferentes e sou amigo de todas. Quem tem o preconceito no coração não precisa de motivo para praticar a rejeição do outro: qualquer razão serve para fazer seu ódio prosperar.
Você acaba de comentar que um de seus próximos lançamentos será sobre as mudanças ocorridas na rua onde você mora. O que você viu através de tua janela?
Tudo gira em torno de uma cantiga de roda que certamente você conhece: "Se esta rua, se esta rua fosse minha, / Eu mandava, eu mandava ladrilhar / Com pedrinha, com pedrinhas de brilhante / Para o meu, para o meu amor passar".
"Brasil Africano" chegou a ser anunciado por outra editora.
Sim. O livro teve uma primeira edição que não foi comercializada. A editora fechou as portas antes disso. Felizmente consegui o distrato dos direitos autorais e a Pallas pode finalmente lançá-lo. Com as adequações necessárias, evidentemente.
Junto com o seu lançamento, a editora está lançando "Meu Caso de Amor com o Brasil", do antropólogo italiano Bruno Barba, que é muito seu amigo. Foi você quem fez essa mediação? O que pode adiantar deste trabalho?
Bruno Barba é um parceiro desde 1990. Escreveu muitos livros sobre o Brasil. Sobre as cidades, o povo, o candomblé. O futebol. Neste livro ele narra o que viu e o que sente sobre o Brasil ao longo de 30 anos e incontáveis viagens, que fez a cada ano. Bruno é o maior divulgador da cultura, da religião e dos esportes brasileiros na Itália. Fui uma espécie de intermediário e escolhi a Adriana Marcolini para traduzir e o Raul Loureiro para o projeto de edição gráfica. Estamos juntos nessa. Por isso resolvemos fazer um lançamento duplo juntos, em São Paulo e no Rio.