Sinal dos tempos, hoje o IEL promove cursos on-line, o que permite sua expansão para além das fronteiras do Rio de Janeiro. Em 2020, a pandemia levou ao fechamento da sede no bairro carioca do Flamengo, com a doação de móveis, computadores e livros a uma escola pública vizinha. "Esse desmanchar teve um alto custo emocional, porém resolvemos cumprir a agenda de cursos, oficinas e eventos de modo virtual. Sem dinheiro ou capital de giro é muito difícil manter o espaço, mesmo virtual, mas estamos ali, na arena", conta Suzana, que conversou com o Correio da Manhã sobre a evolução da formação do escritor e do mercado editorial no Brasil, enquanto aponta a necessidade de uma "cesta básica para a leitura", com distribuição de livros a quem têm dificuldade financeira para adquiri-los.
Por que foi importante transformar a Estação em Instituto?
Suzana Vargas - A agora quase avó das oficinas, surgiu como um espaço onde o fazer literário em todas as latitudes se multiplicava e de modo alternativo, sem apoios financeiros ou institucionais. Foi como se nos jogássemos no vácuo sem rede de proteção. Em 2016, as tantas dificuldades de sobrevivência chegaram ao auge e, através de um instituto, como toda ONG, estaríamos aptos a receber algum tipo de ajuda governamental ou empresarial, doações e vários tipos de apoio. Inauguramos o Instituto na nossa festa de 21 anos em 2017, mas pouca coisa mudou ou aconteceu nesse tempo.
Com a pandemia, a adaptação para cursos on-line veio para ficar. Como foi o impacto de optar pelas aulas à distância?
A pandemia chegou em março de 2020, justamente quando completávamos 25 anos sem ter nenhuma programação virtual, nada. Fomos obrigados a suspender as aulas presenciais e a nos reinventarmos no espaço da Internet. Foi duríssimo pois a Estação e o Instituto vivem até hoje sem qualquer subvenção. No fim daquele ano, tive que fechar o espaço físico. Passamos a cumprir a mesma agenda de cursos, oficinas e eventos de modo virtual. Com muita tristeza, precisei me desfazer fisicamente dessa história tão bonita que carregamos. Os antigos alunos clamam pela volta ao espaço físico. A vantagem dos cursos on-line é que hoje temos alunos do Brasil inteiro e do mundo todo.
Quais foram as contribuições do IEL para o escritor brasileiro?
Acho que ajudamos a profissionalizar o setor. Durante todos esses anos, tivemos apoio e presença aqui, em debates, oficinas e cursos, de grandes nomes de nossa literatura, como José J. Veiga, Antônio Torres, Cleonice Berardinelli, Marco Lucchesi, Ana Maria Machado, Elisa Lucinda, Ferreira Gullar, Sérgio Sant'Anna, Antônio Carlos Secchin, Ivan Junqueira, Marina Colasanti, Affonso Romano de Sant'Anna, Antônio Cícero, Luiz Ruffato, José Castello, Luiz Antônio de Assis Brasil. Oferecemos os primeiros cursos de Formação para Livreiros, Abrindo Livrarias, Copidesque & Revisão, Editoração, Mercado Editorial para novos autores. Nada disso existia. Criamos, em 1996, o primeiro serviço oficial de Análise de Originais, com avaliação de obras inéditas por grandes nomes da literatura nacional. A Estação das Letras talvez tenha sido um dos primeiros espaços a remunerar condignamente os escritores e professores de literatura, que, na década de 1980, ganhavam flores e chocolates por participarem de seminários e encontros.
Hoje, o livro disputa espaço como "entretenimento" com os celulares e a leitura rápida. O livro e a leitura sobreviverão, ainda que em outros formatos?
O país tem a quantidade de leitores possível, se pensarmos que os alunos da rede pública não têm condições de comprar livros. Inventei o projeto Rodas de Leitura para fazer a literatura e a leitura transporem os muros acadêmicos, passarem a ser parte do cotidiano das pessoas. Queria e quero apresentar a leitura sempre como um atividade de lazer, como um cinema, um concerto, uma peça de teatro. No entanto, se a escola não se renovar, se não aproximar a leitura do aluno através das inúmeras virtualidades, nada vai acontecer. A formação dos professores nessa área deixa a desejar. Muitos não são leitores. Como podem despertar nas crianças e adolescentes o gosto pela leitura? Precisamos de uma escola mais inclusiva, de turno integral, enriquecida por livros e por arte. Estamos vivendo um momento de grande conscientização a respeito da nossa realidade leitora e da cultura de nosso país. Precisamos de professores leitores mais bem remunerados, de um currículo que privilegie a leitura e as bibliotecas, mas também de livros mais acessíveis ou de distribuição mais direta. Precisamos de uma cesta básica para a leitura e de usar mais inteligentemente os meios de comunicação, as mídias, nesse setor.
Como serão as comemorações desses 30 anos?
Estamos incrementando a programação mensal gratuita (Janelas Literárias, Concerto de Poesia e Sextas com Letras). Haverá um curso gratuito por mês, bolsas de 50% para professores e estudantes de letras. Vamos retomar também o programa de Formação Literária para escritores. Em setembro, teremos o Viver de Escrever, dois dias de encontros com escritores, workshops de criação literária, orientação editorial, leituras dramatizadas de textos, feira e lançamento de livros dos nossos alunos que já estão no mercado editorial. E uma festa com dança e tudo.
Qual é sua maior satisfação ao longos dessas três décadas?
Ter acreditado no sonho de criar um espaço democrático para o exercício da literatura em muitas direções, de dar visibilidade a grandes profissionais que vêm alimentar nosso trabalho com honestidade, generosidade e sensibilidade. Foi ter formado e dado vez e voz a grandes talentos da literatura contemporânea, tudo isso expresso na quantidade e qualidade dos prêmios que nossos alunos ganham Brasil afora. E ter criado, além de uma legião de leitores, um espaço que se tornou um polo irradiador do fazer literário. Por fim, a satisfação em ver nosso modelo replicado em tantas iniciativas hoje. Como costumo dizer, num país com tantas precariedades no setor cultural e leitor, quanto mais estrelas o céu possuir, mais bonito ele fica!