O novo livro de Luiz Felipe Pondé se chama "Da Alma e dos Ossos" - uma obra de ensaios curtos com tamanho de leitura de final de semana, mas que demanda tempo e repertório para ser digerida. Doutor em filosofia e autor de mais de dez livros sobre o gênero, Pondé se formou em um ambiente que, segundo ele, não liga para o leitor - pelo contrário, o vê como um atraso.
Seu novo livro, no entanto, é equilibrado pelo hábito que adquiriu escrevendo sua coluna publicada na Folha de São Paulo: a preocupação com o leitorado, que surge para compensar a necessária fundamentação teórica. "Não é um livro para entrar desavisado", afirma.
As referências já começam no título. Cada palavra estampada no título e no subtítulo "Aforismos de Crítica Cultural: Uma Ciência Melancólica" - é fruto de reflexões e referências de Pondé.
A ciência melancólica diz respeito à condição miserável na qual o autor vê nossa cultura atual. Enquanto Freud vê o mal-estar e o sofrimento como consequências inevitáveis da vida em sociedade, Pondé afirma que "a gente vive o mal-estar como cultura".
Ou seja, para ele, o mal-estar é substância da cultura e produto direto do nosso espírito. Não podemos fugir dele, por isso, o autor abraça a melancolia, que tem uma credencial alta na filosofia. "Desde a Grécia Antiga se acredita que o temperamento melancólico é aquele que melhor entende a realidade", diz o autor.
A primeira referência para o livro foi o "Minima Moralia" do filósofo alemão Theodor W. Adorno. Neste que também é um livro de aforismos, o europeu comenta a cultura americana dos anos 1940, quando se exilou nos Estados Unidos. O objetivo é o mesmo de Pondé: indagar a alienação da cultura.
Ao longo de seus ensaios curtos, Pondé critica a modernidade e seus vícios. Entre eles, a mania dos modernos de se verem como os principais e únicos produtores de cultura. Segundo o filósofo, acreditar que a cultura é apenas produto das pessoas e instituições do presente é coisa de bárbaros.
A cultura é, antes de tudo, produto dos mortos. "A própria noção de que a cultura só é feita por vivos já é uma cultura pobre, porque a cultura emana da alma e dos ossos - essa é a metáfora do título."
Para falar dessa herança cultural, Pondé cita o conceito de "conglomerado herdado" de Gilbert Murray e seu aluno E. R. Dodds. "Os dois historiadores falam desse conjunto de crenças, hábitos, medos, valores que nós herdamos de forma completamente natural."
Esses acúmulos culturais englobam as formas como aprendemos a enxergar a moral, a religião, a sociedade e a política, sem perceber que fomos ensinados. Nossa cultura vive graças aos mortos, diz.
A crítica a esses vícios modernos é feita com fins de reflexão, não de correção. O leitor moderno precisa estar disposto a identificar esses hábitos em si mesmo para compreender "Da Alma e dos Ossos" e não deve abrir o livro em busca de salvamento, afirma seu autor. "Eu não estou escapando de oferecer uma salvação, porque ela não existe. Quem oferece salvação é mau-caráter."
O livro, alerta Pondé, é contraindicado para aqueles que se acham "super santos, que só têm bons sentimentos". "Esse leitor terá dificuldade de entender alguns textos, porque ele vive em outro planeta."