Moda é cultura carioca
Empreendedores de Ipanema se unem a produtor cultural para agitar dezembro com desfiles na rua, talk shows e ações beneficentes
Alexandre Schnabel é cenógrafo, figurinista, diretor de arte e, acima de tudo, produtor cultural com foco naquilo que é mais importante dos valores do Rio. Alexandre coloca literalmente a mão na massa e está agitando uma programação em Ipanema, nosso mais emblemático bairro com tudo a que se tem direito.
À frente da multimarcas Opinião, na esquina das ruas Visconde de Pirajá e Maria Quitéria, Juliana Erthal lança seu grito de guerra: "É preciso se mexer. Quem não é visto não é lembrado. Estou no melhor ponto da Zona Sul, vendendo tanto para cariocas quanto turistas em um espaço de luxo com 30 marcas autorais. Resolvi mostrar a cara mais ainda!", declara depois do sucesso que foi o desfile na calçada, semana passada, com apresentações na rua que pararam o trânsito, das grifes Toia Lemann, de looks fluidos com estampas manuais, e Frankie Amaury, de peças em couro, que voltou com força total após um hiato de 20 anos.
"Embelezamos a esquina. Assumi o canteiro e plantamos mais de 60 orquídeas no tronco da árvore, mais as costelas de adão na base. Nessa dianteira, pusemos até iluminação-ambiente. Precisamos unir esforços sem esperar o fomento do poder público para fazer o business progredir", dispara Juliana, cujo evento encantou Toia Lemann: "Nunca havia feito nada no gênero. Fiquei impressionada com o público orgânico que juntou na entrada da loja para ver o fashion show, se misturando alegre e democraticamente aos nossos convidados. Todo mundo queria provar as comidinhas inventadas pela chef Malu Mello e o bochicho com a DJ Palomma atraiu todo mundo. Quem passava parou".
Diretora de estilo da Frankie Amaury, Renata Veras faz coro: "Esse resgate do agito que tomava conta de Ipanema nos anos 1970/80 é fundamental porque reaviva a identidade festeira do carioca e a naturalidade com que todas as tribos daqui convergem. Nada como trazer aspectos positivos da Zona Sul para os dias atuais, tão massacrados por todo tipo de crise, rememorando o passado e impulsionando vendas".
Modelo de nove entre dez desfiles daquele período, a veterana Veluma recebeu, durante o desfile de Toia, aplausos dos passantes e "fiu-fiu" dos passageiros dos ônibus que circulavam na Visconde de Pirajá, se acotovelando nas janelas para ver o mulherio desfilar: "Me senti no túnel do tempo. Como é bom esse Rio que retorna. Quero tudo isso de volta e estou esperando o próximo convite!".
Mas a ideia é não parar. Juliana Erthal apresenta nesta quarta (11) talk show com as estilistas de duas marcas novatas que estão presentes nas araras da Opinião: a Zâmbia, grife preta de acessórios tocada por Vivian Ramos, e a Parlaeye, com óculos de sol criados por Paula Mendes, e, na quinta-feira, coquetel às 16h com duplo, às 17h, de Denise Faertes, com sua alta-costura artesanal com levada brasileira, e da Kundalini, de Claudia Gaio, que desenvolve na Índia vestidos de algodão com técnica de block printing, perfeitos para as altas temperaturas atuais.
As estilistas não viveram o tempo em que Ipanema era a borbulhante capital da moda brasileira, nem estão familiarizadas com os pivôs com que Veluma conquistava o público na época do antigo Grupo Moda Rio, mas concordam plenamente com a top model, primeira estrela negra da passarela nacional, surgida nas areias do bairro: "Ipanema sempre foi plural. Hoje, com a diversidade imperando, é oportuno recriar aquilo que deu certo antes", afirma Vivian.
Coordenador espontâneo desse movimento cultural no bairro, o curador de moda e produtor de eventos Alexandre Schnabl vai oferecer aos ipanemenses outro desfile de rua na Opinião, no dia seguinte ao talk show. Na quinta, às 16h, é a vez de Denise Faertes apresentar suas criações handmade de luxe. "O bacana de Ipanema é o caleidoscópio de tipos humanos. Nem é preciso Instagram pra fazer apologia do caráter inclusivo do bairro. Denise é uma mulher de 67 anos, com carreira sólida na engenharia e mestrado em Londres que resolveu, na maturidade, dar uma guinada, fazendo o que realmente ama. Estudou moda na Itália, voltou ao Brasil durante a pandemia e impressionou a imprensa de moda nacional na última edição do DFB Festival, em julho, em Fortaleza, com desfile potente. Está lançando uma alta-costura alegre, colorida e "pra cima", bem no espírito carioca, mas que pode fazer bonito em qualquer lugar do mundo. É chiquérima! Síntese do antietarismo que começa a ganhar força, seu estilo pessoal é exemplo para todos. Fico feliz de dirigir seu desfile justamente aqui em Ipanema, que eu amo e carrega a vocação para suplantar preconceitos", dispara Schnabl.
Mas não e só na Praça Nossa Senhora da Paz que o empreendedorismo ipanemense vem ganhando força. Nesta terça (10), às 17h, outro espaço de moda, a Pulsa, pretende movimentar a Rua Aníbal de Mendonça, endereço famoso da região. A proprietária, Paula Furtado, vai lançar a coleção alto verão da paulista Aluf e receber nova fornada de mochilas da Frankie Amaury com champanhe, brigadeiros e mesa redonda mais que especial na sobreloja da multimarcas, área dedicada a eventos. A cereja do bolo? Um encontro de feras! Com duas edições lançadas esse semestre e já esgotadas do livro que narra a sua trajetória, o estilista Luiz de Freitas, 83 - que durante os anos 1980/90 teve a sua Mr.Wonderful encantando a clientela masculina em plena Rua Visconde de Pirajá -, bate com Ronaldo Fraga aquele papo sobre a importância de registrar a História da Moda Brasileira na literatura, em publicações voltadas para a memória do estilo tupiniquim.
Um dos mais importantes fashion designers a explorar a brasilidade em suas coleções e hoje dedicado, entre outros projetos, a uma prolífica produção literária, Ronaldo não pensou duas vezes em aceitar o convite para pegar o avião e vir ao Rio conversar com Luiz nesse talk mediado por Schnabl e pelo curador de arte Sérgio Zobaran. "Luiz de Freitas não é só um dos mais importantes criadores do Rio e do Brasil, mas do mundo".