Por Rodrigo Fonseca
Especial para o
Correio da Manhã
Unanimidade de crítica em sua passagem pela TV, em novembro de 2020, na TV Globo, o especial "Falas Negras", dirigido por Lázaro Ramos, abordando as vidas de personalidades da luta antirracista, está na streaminguesfera, na grade do Globoplay, trazendo no papel do líder africano Nelson Mandela (1918-2013) um ator que vem colecionando elogios, em múltiplas telas, por seu talento: Bukassa Kabengele. Ele foi escalado para a quarta temporada da série "Impuros", um fenômeno nacional nos streamigs.
Nascido na Bélgica, com origem congolesa, filho de um intelectual renomado da Antropologia (o professor Kabengele Munanga), Bukassa colocou a Europa no bolso, há quase três anos, quando iluminou o Festival de San Sebastián, na Espanha, à frente de "Pacificado".
Esse foi o único longa-metragem brasileiro a conquistar a Concha de Ouro no consagrado evento espanhol. Inédita até hoje em circuito, a produção vai, enfim, estrear no dia 11 de agosto, buscando diálogo com plateias de todo o país.
Ovacionado por San Sebastián, no papel do ex-traficante Jaca, Bukassa saiu de San Sebastián com o troféu de Melhor Ator. Dirigido pelo americano egresso de Istambul Paxton Winters, radicado por anos a fio no Morro dos Prazeres (RJ), o longa ganhou ainda o prêmio de melhor fotografia, dado a Laura Merians Gonçalves.
"Eu trabalhei com a dona Lea Garcia nesse filme e ela entra, logo no começo, como símbolo de maternidade. 'Pacificado' devolve o protagonismo a pessoas que foram esquecidas, que são diariamente invisibilizadas no país onde eu vivo. O Brasil é um dos territórios de maior população negra entre os países que estão fora da África. E, apesar dessa maioria, ainda somos excluídos. O que nos falta não é talento, é oportunidade", disse Bukassa ao Correio da Manhã em San Sebastián, antes de sua vitória, ovacionado pelo público. "A beleza deste filme está no gesto de Paxton em subir uma favela sem colocar seu foco na violência, apostando mais nas relações de afeto. Ele deu protagonismo a mulheres negras e a homens negros".
Já na ocasião, o ator, escritor e cineasta Lázaro Ramos, que dirigiu "Falas Negras", ficou curioso ao ouvir os elogios a Bukassa e ao escutar o carinho com que ele falava de "Pacificado". Na trama do longa, Jaca (Bukassa) é um ex-presidiário com histórico de liderança no tráfico que regressa à favela da qual foi líder no passado, após 14 anos de cárcere, disposto a se reinventar. Na volta, precisa aprender a ser pai de uma filha que nunca conheceu, a adolescente Tati (Cassia Nascimento), e testemunha a queda de sua ex (Débora Nascimento) nas garras do vício, sendo alvo das maquinações de um outro criminoso, Nelson, vivido por José Loreto, que teme o desejo de Jaca de querer reaver o trono da bandidagem. Mas suas ambições são outras: ele quer montar uma pizzaria na favela, para turistas, e ser feliz, num convívio com Tati.
"É um filme sobre o resgate do amor, em um contexto onde, historicamente, corpos negros eram associados à violência, a armas. Aqui nós temos a travessia afetiva de um homem que se descobre pai. E temos um olhar para as populações negras diferente, onde temos a chance de buscar mais complexidade afetiva", disse Bukassa a San Sebastián, construindo Jaca como se fosse um dos samurais de Toshiro Mifune, pautando-se num código de honra avesso ao que existe de brutalidade à sua volta... feito Mandela. "Ele sabe que é hora de mudar".
Paula Linhares e Marcos Tellechea são os responsáveis brasileiros pela produção do longa, que traz ainda a assinatura de um divo da cena indie do cinema americano, dos anos 1990 até hoje: o diretor Darren Aronofsky, ganhador do Leão de Ouro com "O Lutador" ("The Wrestler"), em 2008. O realizador de "Cisne Negro" (2010) se impressionou com o talento de Paxton e apoiou a confecção estética de "Pacificado", que trata a figura de Jaca como um samurai às voltas com o código de honra das favelas. O filme de Paxton ganhou ainda a láurea de júri popular da Mostra de São Paulo de 2019.
