Por: Affonso Nunes

CRÍTICA | Noite inspiradora em show em celebração à Cassia Eller

Victor Biglione, Taryn e Dudu Lima no show com repertório do álbum póstumo de Cássia Eller | Foto: Guarim de Lorena

Há pouco mais de 30 anos o guitarrista Victor Biglione recrutou uma jovem cantora em ascensão para shows com um repertório que pinçava lados B do blues e do jazz. Era Cássia Eller (1962-2001), que mal acabara de lançar seu primeiro disco. Os elogiados shows no Circo Voador e no extinto Free Jazz Festival renderam um disco que ficaria guardado até 10 de dezembro de 2022, quando Cássia completaria 60 anos.

A partir deste lançamento póstumo, Biglione recebeu convites para reeditar os shows. Substituir Cássia Eller, dona de timbre potente e expressivo, nunca será tarefa fácil. O músico escalou Taryn, atriz e cantora versada no meio blueseiro, para a tarefa e a estreia do projeto se deu no palco do Teatro Rival na última terça-feira (12).

A banda formada por Biglione, pelo virtuose Dudu Lima (baixo), Pedro Fonseca (teclados) e Leandro Scio (bateria) abriu os trabalhos com temas estranhos ao disco, incluída uma releitura originalíssima para "Clube da Esquina 2" (Milton Nascimento, Lô e Márcio Borges). A mineirice se explica: Biglione já tocou com Milton, Dudu idem e a brasiliense Cássia Eller foi criada em Belo Horizonte.

Após três temas instrumentais que iam deixando o público ansioso, Taryn chega ao palco para entoar "Hoochie Coochie Man" com personalidade. A cantora confessa que teve em Cássia uma de suas inspirações para iniciar carreira artística, mas foi sábia ao não tentar cruzar as fronteiras de entre seu timbre natural e o de Cássia, mais grave.

O importante era entregar emoção ao repertório, o que foi feito com louvor tanto nas baladas "Same Old Blues" (Don Nix) e "Ain't Got Nothing But the Blues" (Don George e Duke Ellington) quanto nas levadas mais pesadas (e lisérgicas) de canções como "Prison Blues" (Jimmy Page) e "If Six was Nine" (Jimmy Henrix).

Havia também uma luminosa releitura de um hit beatle - "Got to Get You Into My Life" (Lennon e McCartney) e uma surpreendente "Mercedes-Benz" (Bob Neuwirth, Janis Joplin e Mike McClure) com uma levada de baião e citação a "Coroné Antônio Bento" (Tim Maia).

Embora o recorte do show seja as canções que Cássia gravou em inglês para o projeto original de Biglione o público esperava certamente por algum número em português como, por exemplo, o "Blues da Piedade" (Cazuza e Frejat).

Biglione estava em noite inspirada com solos viscerais e cirúrgicos inseridos de forma preciso em cada canção. Foi e continua sendo um dos gigantes em seu instrumento. Sem o vigoroso naipe de metais da gravação original do disco, a solução era encorpar o som e a direção musical de Biglione acertou a mão o injetar peso nos arranjos. As linhas sinuosas e elegantes do contrabaixo executado por Dudu Lima também contribuíram para uma noite inspiradora sob as bençãos de Cássia Eller que, do céu, certamente agradece a lembrança.

 

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