Uma noite para lembrar Cássia Eller

Victor Biglione, Taryn e Dudu Lima tocam no Rival as faixas do premiado disco póstumo em que a artista, morta em 2001, cantava temas de jazz e blues

Por Affonso Nunes

Victor Biglione

Nada como o tempo para reparar equívocos históricos. Em 10 de dezembro do ano passado, a trajetória musical singular de Cássia Eller (1962-2001) foi enriquecida com o lançamento póstumo do álbum "Cássia Eller & Victor Biglione in Blues", gravado em 1991 e que ficou mais de 30 anos sem chegar ao público. O disco foi recebido com entusiasmo por fãs da cantora e foi premiado na última edição do Prêmio da Música Brasileira como Melhor Projeto em Língua Estrangeira. Sua execução nas plataformas de música passa de 1,2 milhão de streams somente no Spotify.

Lançado há um mês em vinil, o álbum coroou as brilhantes apresentações de um repertório clássicos do blues, do rock e standards de jazz que Cássia, em início de carreira e o virtuoso guitarrista fizeram no Circo Voador e no saudoso Free Jazz Festival. Cássia, com seu carisma, voz potente e presença de palco única, não está mais entre nós mas Biglione reuniu músicos para relembrar esses shows nesta terça-feira (12) no palco do Teatro Rival.

Caberá à cantora Taryn, uma tarimbada intérprete de jazz e blues relembrar as faixas do projeto produzido por Victor Biglione e o saxofonista Zé Nogueira para o selo Polygram. O duo de voz e guitarra terá o auxílio precioso do contrabaixista Dudu Lima, da bateria de Leandro Scio e os teclados de Pedro Fonseca.

Victor, Dudu e banda abrem o show especialíssimo com versões instrumentais para clássicos como "Summertime" (Ghershwin) e "Clube da Esquina 2" (Milton Nascimento / Lô Borges / Márcio Borges), além da autoral "Regina" (Dudu Lima), gravada com Stanley Jordan.

Em seguida recebem Taryn interpretando as pérolas gravadas por Cássia Eller no premiado álbum tais como "Got to Get You Into My Life" (Lennon/McCartney), "When Sunny Get's Blue" (Marvin Fisher/Jack Segal), "Ain't Got Nothing But The Blues" (Duke Ellington) e "Same Old Blues" (Don Nix).

Sobre a escolha de Taryn para interpretar as canções gravadas por Cássie Eller nos anos 1990, Biglione destaca a versatilidade da cantora com temas jazzísticos e de blues. "A Taryn é um cantora de grandes recursos e que cai como uma luva para prestar essa homenagem à nossa querida Cássia Eller", justifica o músico. "Foi uma escolha fácil de fazer, eu diria", completa.

A história de "Cássia Eller & Victor Biglione in Blues" começa após uma viagem do músico aos Estados Unidos no início de 1991. "Eu me ressentia que não tínhamos no Brasil um trabalho de releituras que expressasse a riqueza que a linguagem blues traz consigo", conta o instrumentista e arranjador, que selecionou o repertório e buscava uma voz feminina que encarnasse o projeto. "Uma produtora amiga, Lígia Alcantarino, me indicou uma cantora iniciante chamada Cássia Eller. Ouvi Cássia cantando a faixa 'Por Enquanto', de Renato Russo, em que citava 'I've Got a Feeling', de Lennon e McCartney, na introdução. Logo vi que ela tinha essa pegada", rebobina o guitarrista consagrado nacional e internacionalmente, que a essa altura já tinha três álbuns solo, um Grammy Internacional com o grupo Manhattan Transfer, em 1988, e já era um dos mais requisitados músicos de estúdio, o que o levou mais tarde a ser guitarrista com o maior número de gravações e shows na história da MPB.

Cássia, por sua vez, havia lançado seu primeiro álbum, "Cássia Eller" (Polygram, 1990), com um repertório dominado pelo rock'n'roll, e vinha arrancando elogios da crítica, pavimentando os primeiros passos de uma carreira apoteótica que lhe renderia inúmeras premiações, como o Grammy Latino, em 2002, os prêmios Sharp (1991, 1993, 1995, 1997, 1998 e 2002), Multishow (2002), entre outros.

"Lembro que a Cássia foi à minha casa bem tímida. Passei a ela o repertório e, três dias depois, no primeiro ensaio com a banda, ela já havia dominado todas as canções, com interpretações estonteantes e cheias de personalidade. Todos ficaram de queixo caído, pois ela não conhecia aquelas obras até então", revela Biglione.

Espremido entre o primeiro e o segundo álbum de Cássia, "Malandragem" (Polygram, 1992), o projeto em parceria com Victor Biglione acabou não saindo. Mas o festejado encontro musical rendeu shows antológicos da dupla no Circo Voador e no Free Jazz Festival, de 1992, na noite em que tocariam Albert King e Robben Ford. Aliás, foi a lembrança dessas apresentações evocada pelo público que manteve a expectativa de lançamento desse álbum por tanto tempo. "Se o disco tivesse saído naquela época, certamente daria um impulso notável na carreira internacional da Cássia, que não deixava nada a dever a muitas cantoras estrangeiras", aposta Biglione, músico com vasta vivência em festivais mundo afora, tendo conquistado posteriormente um Grammy Latino com Milton Nascimento por sua participação no acalmado álbum "Crooner", em 2000, e foi finalista na edição de 2016 com o solo "Mercosul".

SERVIÇO

VICTOR BIGLIONE, DUDU LIMA & TARYN - CÁSSIA ELLER IN BLUES

Teatro Rival (Rua Álvaro Alvin, 33 - Cinelândia) | 12/9, às 19h30

Ingressos: R$ 120 e R$ 60 (meia)