Por: LUÍS PIMENTEL JORNALISTA E ESCRITOR

Luis Pimentel: Sorrisos

Na recepção do grande hospital, duas menininhas - entre seis e sete anos - em tratamento contra o câncer.

Estão sentadas lado a lado. Uma já inteiramente careca, a outra ainda cultivava uns fiozinhos.

A que já não os possuía alisava a cabeça da outra, dedos delicados entre os fiapos, misto de admiração e ternura.

Elas sorriam.

Creiam. Aquelas menininhas sorriam uma para a outra, como se a vida fosse apenas aquele instante.

? ? ?

Era um homem-tronco. Ou tronco-homem. Ou homem. Ou tronco. Não sei bem definir. Um meio-corpo, da cintura para cima - lembrava personagem que me impressionou em vigoroso filme norte-americano, um mutilado da guerra do Vietnã -com braços e mãos, embora sem pernas, sempre estacionado sobre um carrinho de madeira, movido a rolimãs.

Pedia contribuições no Centro do Rio de Janeiro, no quarteirão da Graça Aranha que fica entre Almirante Barroso e Araújo Porto Alegre, preferencialmente na calçada do Teatro Ginástico. Eu não entendia o inacreditável sorriso (inacreditável para mim, claro, não para ele) sempre estampado no rosto. Para lá e para cá, empurrando com as mãos o carrinho que já era parte do seu corpo, com maestria e velocidade admiráveis.

Não sou de dar esmolas, mas um dia, comovido, estendi uma nota bem generosa. E ele, sorrisão estampado na cara, suor e energia de sobra no pedaço de corpo que valia por muitos:

- É?! Tem certeza?

Balancei a cabeça afirmativamente. E ele, encarando o engraxate seu amigo, que fazia ponto na esquina:

- Viu aí?! Vou reclamar de quê?

E acelerou o carrinho. Sorrindo, claro.

? ? ?

Ah, um sorriso. A irresistível força de um sorriso, capaz de remover montanhas, obstáculos, mau-olhado e cara amarrada.

? ? ?

Não vi (quem viu foi o cego), mas me contaram:

Na subida da colina que dá acesso à Igreja do Senhor do Bonfim, o cego de óculos escuros e bengala entre as pernas, acocorado, estendia o chapéu.

Um esperto parou diante dele e meteu a mão no chapéu, como se fosse depositar um dinheiro. Na verdade, pescava uma nota para surrupiar, quando o pedinte desferiu um tapa certeiro na mão do oportunista, que se afastou ligeiro.

Sujeito que vinha logo atrás perguntou:

- Como o senhor percebeu que ele pegava o seu dinheiro?

E o ceguinho, sonso:

- Oxente! Eu senti... - respondeu, sorrindo.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.