Luiz Otávio pede passagem

O pianista e agora cantor mostra no Manouche as canções de seu álbum "Essa Maré", com participação da madrinha Mart'nália.

Por Affonso Nunes

Com as bençãos de Mart'nália, o pianista Luiz Otávio dá uma guinada em sua carreira, passa a cantar e grava um álbum de canções, deixando a música instrumental em segundo plano

Luiz Otávio é um dos músicos mais talentosos de sua geração. O jovem pianista é figura fácil nas melhores formações de jazz que você for ouvir na cidade, mas agora aventurou-se (e muito bem) pelos lados da cantoria. Nesta terça-feira (24), às 21h, ele apresenta as canções do álbum "Essa Maré" no palco do Manouche com a participação mais do que especial de Mart'nália.

A consagrada sambista é a madrinha da virada de chave na carreira do músico, que havia lançado anteriormente "Casa de Amigo" (2017), um álbum 100% instrumental com temas jazzísticos e "Gotas de Sangue" (2021) em duo de piano e voz com o pernambucano João Fênix.

Tecladista e cavaquinista da banda de Mart'nália, Luiz Otávio vinha se mostrando à vontade nos vocais que fazia de improviso nos shows da cantora. "Ele tem uma voz bonitona, faz uns djubidjubi que não é qualquer músico que faz", comenta a cantora, com sua irreverência característica.

Atenta aos que passava no palco, chamou Luiz Otávio para cantarem juntos uma música do roteiro do show e, não demorou, começou a provocá-lo com a ideia de um disco solo dele, soltando a garganta. Assim nasceu "Essa Maré", lançado pela Biscoito Fino com produção da madrinha.

Mergulhado numa sonoridade black suburbana, que remonta à elegância quente de bailes da Zona Norte e da Zona Oeste, "Essa Maré" traz sete faixas. Três são releituras de canções de Arlindo Cruz ("Não Penso em Mais Nada"), Don Beto ("Pensando Nela") e Djavan ("Meu") - pistas de algumas das influências do artista. Nesta última, Luiz Otávio tem a participação em dueto com Mart'nália. As outras quatro são composições próprias do pianista e Luiz Otávio - uma delas em parceria com Tom Karabachian, a "Custe o que Custar".

Este é o terceiro disco de Luiz Otávio. Mas sua história começa bem antes, tem origens ainda na infância do músico, no subúrbio carioca de Campo Grande, na década de 1990. O músico de 33 anos lembra: "Ganhei um tecladinho de brinquedo dos meus pais e, com quatro, cinco anos já estava tirando músicas que ouvia no rádio". Sua família ouvia muito samba e pagode, uma das influências centrais nesse primeiro momento. "Minha lembrança mais antiga sou eu tocando 'Essa tal liberdade', do Só Pra Contrariar", conta ele, que hoje também toca guitarra, cavaquinho e contrabaixo elétrico.

Deficiente visual desde o nascimento mantinha os ouvidos atentos a tudo. O calor da rua que sua música traz não é um acaso. Luiz Otávio começou os estudos musicais no Instituto Benjamin Constant e desde cedo rodou diversos cantos do Rio, de Copacabana a São Gonçalo, para tocar - sem valorizar as dificuldades por ser deficiente visual e por morar num bairro afastado de onde apareciam as chances de trabalhar.

"As pessoas falavam: 'Infelizmente não posso te chamar pra tocar porque não tenho carro pra te buscar'. Eu dizia: 'Não tem problema, eu vou de ônibus'. E ia, levando teclado, guarda-chuva, bengala…", recorda o músico.

Oportunidades aumentaram quando Luiz Otávio foi apadrinhado pelo pianista Fernando Merlino, seu professor, e pelo baixista Arthur Maia, com quem tocou por oito anos. Foi Arthur, amigo de Mart'nália, que o apresentou à cantora. Nos últimos anos, tocou com Marcelo D2 e gravou nos discos mais recentes de Martinho da Vila e Elza Soares.

Nos tempos em que se dedicava ao jazz, Luiz Otávio recebia comparações com Ray Charles. Agora, cantando e bem e enveredando por um pop requintado e elegante, talvez seja a hora de associá-lo a Stevie Wonder, que também é uma maravilha de músico.

SERVIÇO

LUIZ OTÁVIO CONVIDA MART'NÁLIA

Manouche (Rua Jardim Botânico, 983)

24/10, às 21h

Ingressos: R$ 120 e R$ 60 (meia entrada e ingresso solidário, levando um quilo de alimento não perecível ou livro para doação)