Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Gustavo Galvão: 'A gente se entrega cedo demais para as normas da vida'

Mostra de SP logo | Foto: Divulgação

No vasto cardápio de brasilidade da 47ª Mostra de São Paulo, em seu menu de 350 títulos, um debate feroz sobre o modo como a mídia se apropria da vida alheia, galvanizado pela atuação em estado de graça de Gisele Frade, fez de "O Vazio de Domingo à Tarde" um dos maiores achados do evento. Sua narrativa de pura taquicardia é a certeza de que seu diretor, Gustavo Galvão, sempre dá um jeito de surpreender a plateia.

Ele passou pela maratona cinéfila paulistana ainda com "Inventário de Imagens Perdidas", uma distopia sobre uma revolução fundamentalista que põe o país em guerra civil. Brasiliense de 1976, ele formou-se em Jornalismo na UNB e estudou cinema na Escuela Superior de Artes y Espectáculos de Madri.

Estreou na direção de longas-metragens com "Nove Crônicas para um Coração aos Berros" (2012) e realizou a pérola "Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa" (2013). "Ainda Temos a Imensidão da Noite" (2019), com o qual foi premiado no BAFICI, na Argentina, é seu maior hit. Por enquanto...

De que maneira que esse teu lugar prévio de crítico de cinema, de frequentador da Mostra de São Paulo com o olhar de investigador de imagens, orienta teu olhar na construção desse percurso que você está fazendo hoje, como realizador e produtor?

Gustavo Galvão: Antes de tudo, eu fui espectador. Antes de ser crítico e muito antes do fazer filmes, como cineasta, eu já era espectador. Eu venho para a Mostra desde 1996. O que me interessa na Mostra de São Paulo, e no Festival do Rio, é ver o que é diferente do que é exibido na média dos cinemas. Isso me orientou muito a buscar o "novo" na realização, a buscar o que não é o padrão. Eu gosto quando vou fazer um filme e alguém fala: "Isso não vai dar certo". É a certeza de para onde eu vou, porque estou cansado de ver filmes que mostram que um outro caminho, de mais risco, pode ser interessante. Sinto que é a conjunção do cinéfilo, que tem essa sede de buscar coisas diferentes e variadas, com o artista. Eu vejo de tudo. Fazendo cinema, eu tento não me acomodar. Se você olhar bem para os meus longas, eles são muito diferentes uns dos outros, mas eu vejo as conexões entre eles.

Qual é a conexão mais essencial, consciente que você enxerga neles?

Tem algumas. Normalmente, eu me interesso por personagens que estão se questionando. São personagens que estão num momento de dúvida, entre tomar uma decisão de seguir em frente ou uma decisão de recuar. Eu gosto também de observar relações familiares, assim como gosto de falar de relações de trabalho. É um tema comum nos meus longas, apesar de não serem filmes abertamente sobre isso. Falo sobre como a gente usa o nosso tempo e como a gente se entrega cedo demais para as normas da vida. Tento entender o que a gente deixa pra atrás com as decisões que tomamos. O longa "Uma Dose Violenta De Qualquer Coisa" é o caso mais explícito disso, pois há lá um personagem que tenta romper, de fato, com tudo. Ele só não sabe para onde está indo. Não é necessário para isso que se faça um road movie. Um filme estático, nos sentimentos ou na cabeça do personagem, dá conta desse processo. "Inventário de mais perdidas", que trago para a Mostra, é um pouco diferente disso tudo, porque tem um contexto maior, uma revolução fundamentalista no Brasil. Nele, os dois personagens estão encarando essa situação atípica. Mas mesmo ali tem uma discussão de família, tem uma discussão do trabalho, tem uma discussão do processo

Como entra "O Vazio de Domingo À Tarde" nesse percurso?

Esse filme é uma discussão aberta sobre o cinema. São duas protagonistas, e uma delas é uma atriz. Por meio dela, a gente discute como a imagem "pública" que as pessoas fazem de uma figura midiática nem sempre casa com quem ela é. Nem as pessoas próximas sabem identificar mais aquela imagem. Então é por isso que a gente usa também uma propulsão de imagens de celular no filme, porque são olhares múltiplos. São olhares para essa pessoa que ela mesma começa a ter dificuldade de se entender.

 

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