Envolvida no empenho de levar "Eu, Capitão" ("Io Capitano"), de Matteo Garrone, ao Oscar, a Itália mudou tudo no audiovisual em 1945, com "Roma, Cidade Aberta", e passou as quatro décadas seguintes desafiando paradigmas, como explica o ator Brenno Placido, uma das estrelas de "A Sombra de Caravaggio" ("L'Ombra di Caravaggio").
Cabe a essa cinebiografia de um mestre da pintura inaugurar, nesta quarta, a edição 2023 do Festival de Cinema Italiano no Brasil, que se espalha por 91 salas em cerca de 60 cidades em todas as regiões do país, além de mobilizar também a streaminguesfera, no site do evento. Placido veio ao país para apresentar a nova mirada das telas sobre Caravaggio.
"Sou um jovem ator fazendo seu percurso, com muito o que aprender, em meio a tempos muito estranhos, onde as armas ganham mais financiamento do que a cultura. Na Itália, muitos filmes de qualidade enfrentam salas vazias. Mas estamos aqui com um trabalho mediado pela fidelidade histórica", diz Brenno Placido. "A minha expectativa é de descobrir esta cultura, pois visitar a América do Sul é uma experiência nova, ainda que 'Cidade de Deus' seja um dos meus filmes preferidos. Gosto de viver momento a monto e quero ser surpreendido"
Dirigido por Michele Placido, o pai de Brenno, "A Sombra de Caravaggio" é protagonizada por Riccardo Scamarcio e conta com duas celebridades francesas - Isabelle Huppert e Louis Garrel - no elenco. O filme retrata a vida do renomado artista Michelangelo Merisi, conhecido como Caravaggio. Ambientado em 1609, o filme explora as profundas contradições e o tormento interior do artista. Caravaggio, um rebelde e inquieto, é retratado como uma verdadeira estrela do seu tempo, com sua genialidade artística e sua vida transgressora. Enquanto aguarda o perdão papal para escapar de uma sentença de morte, ele encontra refúgio na família Colonna, onde suas obras de arte e sua personalidade conturbada deixam uma marca duradoura.
Há uma leva de clássicos também na programação do festival, como "Amor à Italiana" (1966), de Steno; "Esses Nossos Maridos" (1966), de Luigi Filippo D'Amico, Dino Riso e Luigi Zampa; e "A Propriedade Não É Mais um Roubo" (1973), de Elio Petri. Essa seleção prova o quanto a Itália foi uma terra de gigantes (Rossellini, De Sica, Fellini, Visconti, Antonioni, Pietro Germi, Pier Paolo Pasolini, Lina Wertmüller, Valerio Zurlini, Nanni Moretti), próspera na seara dos filmes de gênero seja no terror (com o giallo de Dario Argento), no faroeste (com as macarronadas de Sergio Leone, Tonino Valerii e Sergio Corbucci) e nos épicos de gladiador (o Peplum), minguou por um bom tempo, de 1984 a 2008, vendo suas fontes de fomento à produção cinematográfica escassearem.
Até campeões de bilheteria como Carlo Pedersoli e Mario Girotti (conhecidos como Bud Spencer e Terence Hill) deixaram de fazer os longas da franquia "Trinity", sob a guilhotina de Berlusconi, restando visibilidade a poucos cineastas. Giuseppe Tornatore (com "Cinema Paradiso") e Roberto Benigni (com "A Vida É Bela") souberam bem flertar com as receitas da Academia de Artes e Ciências de Hollywood. Resistentes do movimento moderno também se mantiveram firme, como o finado Bernardo Bertolucci, que foi fazer uma incursão pelo Oriente e filmar em outras línguas, e o até hoje imparável Marco Bellocchio. Mas cabe à programação da maratona que vai mobilizar os fãs das narrativas audiovisuais italianas no país comprovar que há uma novíssima geração de estrelas autorais.
Entre as atrações obrigatórias do Festival Italiano, destaque o longa de encerramento da última Berlinale, "A Última Noite de Amore" ("L'Ultima Notte di Amore"), um thriller eletrizante de Andrea Di Stefano, com o aclamado ator Pierfrancesco Favino (de "O Traidor"). Na trama, ele vive Franco Amore, policial que, durante toda a vida, procurou ser uma pessoa honesta, ao longo de 35 anos de uma honrada carreira, na qual nunca disparou contra bandido algum. Seu jeitão imponente já assombrava a vilania. Mas durante sua última noite de serviço, tudo pode vir abaixo.
"O que existe de mais exuberante na História da Itália no cinema é a sensação de cada grande filme da tradição de nosso país era um protótipo, uma espécie de coletivo de ideias muito originais em série, jamais superadas, sem derivados, sem similitudes com nada de fora", disse Di Stefano ao Correio da Manhã, em Berlim. "O que tentamos fazer na saga de Amore é honrar esse espírito de apostar numa trama diferente de tudo o que já se viu".
O Festival de Cinema Italiano vai até 9 de dezembro.