Para falar do ano fonográfico de 2023 é preciso, por mais contraditório que pareça, falar de um álbum que não foi lançado, mas quer precisa nascer: o registro ao vivo dos shows da turnê "A Última Sessão de Música", que marcou a despedida do sublime Milton Nascimento dos palcos e foi encerrada em apresentação para mais de 60 mil pessoas num Mineirão lotado. Foi emocionante demais para passar em branco.
Igualmente emocionante foi A turnê "Titãs Encontro: Pra Dizer Adeus", que comemorou os 41 anos da banda com o reencontro da formação clássica do grupo após mais de 30 anos. Paulo Miklos, Arnaldo Antunes, Branco Mello, Nando Reis, Sérgio Britto, Tony Bellotto e Charles Gavin transformaram estádios pelo Brasil em gigantescas sessões de karaokê. Também merece sair como disco.
Falando em álbuns consolidados, outras duas apresentações ao vivo merecem destaque. Uma é "Que Tal Um Samba (Ao Vivo)" em que Chico Buarque e Mônica Salmaso recriam pérolas do cancioneiro do cantor e compositor. Desde o célebre show com Maria Bethânia, em 1975, que Chico não dividia o palco com uma cantora e a escolha foi acertadíssima.
Outro encontro memorável eternizado em álbum foi "Violivoz" que reuniu dois grandes trovadores e violonistas nordestinos: o pernambucano Geraldo Azevedo e o paraibano Chico César. Impossível não lembrar dos míticos shows da série Cantoria.
Nos dias que antecederam a morte de Carlos Lyra, aos 90 anos, o mestre da segunda geração da Bossa Nova foi celebrado com o belíssimo álbum "Afeto" em que pesos pesados da MPB como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo, Joyce Moreno, Djavan, Lulu Santos, Mônica Salmaso, Leila Pinheiro, João Donato e Fernanda Abreu, entre outros, nos lembra a força de sua obra situada na mais alta prateleira de autores brasileiros.
E Martinho da Vila? Aos 85 anos, o sambista exibe vigor em "Negra Ópera", que se vale de abertura sinfônica para, na sequência, cantar dores e amores de sua raça mesclando canções de sua lavra e pérolas do gênero com destaque para a obra de Zé Kéti, o sambista de opinião que saiu por aí com seu violão debaixo do braço.
Na cena internacional, vale destacar três histórias. A primeira é o retorno do Foo Fighters aos palcos após a morte trágica do baterista Taylor Hawkins. Dave Grohl e Cia brindaram plateias com performances arrebatadoras.
Ex-fundador do Genesis e dono de uma carreira solo admirável, Peter Gabriel lança "i/o", seu primeiro álbum de inéditas após mais de 20 anos. O performático cantor e compositor britânico lançou cada faixa do disco em formato de single a cada ciclo de lua cheia. E iluminou nossos ouvidos com seu lirismo e grande preocupação com os rumos do planeta.
Já a consagrada banda Metallica ressurge com "72 Seasons", também de inéditas mas com muitas auto-refrências à trajetória do grupo.
Voltando à terra brasilis, convém falar de novidades porque é preciso cantar pra alegrar a cidade. E como cantou Filipe Catto. Artista trans não binária, cantora, instrumentista, compositora, ilustradora e designer gaúcha que transita por várias linguagens musicais e fez o mais belo tributo que se pode ouvir de Gal Costa. E gravou o excelente "Belezas São Coisas Acesas Por Dentro".
No apagar das luzes de 2023, os cantores, compositores e músicos Vicente Nucci, Vinicius Castro e Zé Motta dão novos ares à MPB com seu novo álbum, "Sopro", uma rara reunião de lindas canções com excelentes construções melódicas que remontam à melhor tradição da Música Popular Brasileira.
Para 2024, vale lembrar com tristeza que o Bala Desejo, superbanda de cores e sons tropicalistas, decidiu fazer sua turnê de despedida para que seus integrantes - Júlia Mestre, Dora Morelembaum, Zé Ibarra e Lucas Nunes - possam se dedicar a seus projetos individuais. Tomara que não.