O magnífico despertar de um gênioa cada lua cheia

Peter Gabriel quebra o hiato autoral de mais 20 anos com o impecável 'i/o'

Por Affonso Nunes

Após um ciclo de 12 luas cheias - em que lançou um single a cada mês -, Peter Gabriel finalmente dá forma final a "i/o", seu aguardado álbum de inéditas em mais de 20 anos. Se podíamos dizer que o cantor e compositor britânico estava num sono criativo, seu despertar é magnífico.

O vocalista da primeira (e clássica formação do Genesis) emerge com um álbum seminal, à altura de seus melhores trabalhos nos anos 1980 e 90. À medida que iam sendo lançadas, as canções foram incorporadas ao repertório dos shows que fazia em turnê que cobriu a Europa e América do Norte.

'i/o' é uma sigla usada nos países inglesa como uma abreviatura para Input/Output (entrada/saída), um termo muito popular nas comunidades tecnológicas. Suas 12 faixas confirmam pelos menos duas coisas bastante importantes: a) são obras com graça, gravidade e grande beleza, com soluções harmônicas preciosas e letras com muito a dizer; b) a voz marcante do artista segue intacta, abusivamente perfeita.

Ao longo do álbum, as canções inteligentes e reflexivas (uma marca registrada do músico) abordam questões da vida e do universo como um todo. Vão do nosso eu interior à conexão com o mundo ao nosso redor, nos levando a pensar em nosso papel perante a existência — "I'm just a part of everything" ("sou apenas uma parte de tudo"), canta Gabriel na faixa-título.

É um tema recorrente do álbum, assim como a passagem do tempo, a mortalidade e o luto, e também temas como injustiça, vigilância e as raízes do terrorismo. Mas não se pode dizer que "i/o" seja uma obra solene ou desanimadora. Embora seja reflexivo, o clima nunca é de desânimo; "i/o" é musicalmente generoso com nossos ouvidos: é alegre e, abastece nosso tanque emocional com esperança, como se vê na faixa de encerramento, a otimista, "Live and Let Live".