Por: Lucas Brêda (Folhapress)

Afinal, quem é o pai do tecnobrega?

Imagens da estrutura da equipe de aparelhagem Tupinambá em ensaio do fotógrafo Vincent Rosenblatt em Belém, no Pará | Foto: Vincent Rosenblatt /Divulgação

Uns anos atrás, o músico paraense Tonny Brasil, que se diz criador do tecnobrega, recebeu uma ligação dizendo que Júnior Rêgo, colega de profissão, estava no estúdio da Metropolitana FM, no centro de Belém, falando que era o pai do estilo musical. "Liguei para a rádio, disse para ele ficar ali para conversarmos. Quando cheguei, já tinha ido embora."

Aquela entrevista, somada a anos de alfinetadas entre os músicos, marcou um momento de exposição mais direta do debate quente no Pará, novamente em voga depois de Gaby Amarantos ganhar um prêmio no último Grammy Latino.

Além de Tonny e Rêgo, a disputa em torno da paternidade do tecnobrega tem mais um elemento. Jurandy, um dos nomes de maior sucesso nos primeiros anos do gênero, também é lembrado como criador do gênero.

Essa disputa esquentou em maio do ano passado, quando a Assembleia Legislativa do Pará concedeu uma comenda reconhecendo Tonny Brasil como criador do gênero. Ele também é tratado dessa maneira em documentários sobre o tecnobrega, como "Brega S/A" e os extras do DVD "Tecno Melody Brasil", além de reportagens da imprensa local.

Júnior Rêgo se sente apagado da história. "Sou o verdadeiro autor do tecnobrega", diz. "Você não vê ele [Tonny] dizer que é o pai, manda os outros dizerem. Paga matéria no jornal. Tem vergonha de me encontrar. Não fala comigo. Tanto ele quanto Gaby Amarantos escondem o Júnior Rêgo."

Para além dos conflitos pessoais e de narrativas, há questões estéticas que ajudam a entender a gênese do estilo. "O tecnobrega dá seus primeiros passos no final dos anos 1990, quando o axé dominava o Brasil e o mercado de brega pop no Pará passava por uma crise", diz Zek Picoteiro, DJ e pesquisador do brega paraense. "Os artistas tiveram que achar uma solução mais acessível para produzir seus discos."

No Pará, o brega ganhou uma identidade própria a partir dos anos 1970, como uma espécie de resposta à jovem guarda de Roberto Carlos, com nomes como Teddy Max, Luiz Guilherme e Mauro Cotta. Essas influências de rock se fundiram a estilos locais, como a lambada, e desembocaram no brega pop de Roberto Villar, Alberto Moreno e Wanderley Andrade, e no brega calipso de Joelma e Chimbinha, na década de 1990.

Foi nesse cenário que Tonny, depois de ver músicos se apresentando só com teclados numa viagem a Caiena, na Guiana Francesa, decidiu apostar nas gravações sem banda. Ele sequenciou todos os instrumentos, diz Zek Picoteiro, "as levadas de bateria e suingues de guitarra do brega pop, trazendo uma sonoridade eletrônica para o gênero".

Essas experiências depois geraram a música "Lana", tida como a primeira gravada totalmente de maneira eletrônica e que para Tonny é a canção fundadora do tecnobrega. O sucesso fez com que mais artistas gravassem só com teclados e computadores, uma redução drástica nos custos de produção. Aquela sonoridade sintética a princípio não foi bem vista, tida como empobrecimento estético da música paraense. "Foi muita ousadia", diz Tonny.

Mas, enquanto isso acontecia, Júnior Rêgo já estava gravando, já fazia parte do tecnobrega. Em Capanema, no interior do Pará, ele abraçou a música eletrônica de pista, como techno e house, que vinha do exterior.

Mauricio Costa, professor de história na Universidade Federal do Pará e autor do livro "Festa na Cidade", sobre o circuito do brega paraense, diz que o tecnobrega surgiu nesse momento de "ascensão da música dos clubes das grandes cidades europeias, com as raves".

Foi nesse filão que Júnior Rêgo se encontrou. Nas festas de aparelhagem no fim dos anos 1980, ele diz, "tocava muito dance, techno e house". "Sempre gostei desses instrumentais, achava moderno."

Rêgo estudou música clássica, e não gostava de brega antes de ser seduzido por músicas como "Profissional Papudinho", hit de Roberto Villar. Em seu primeiro disco, "Ópera do Brega", ainda com sonoridade de banda, em 1999, inseriu na faixa "Separação" uma introdução eletrônica.

Rêgo se notabilizou com uma prática comum no tecnobrega: o uso de trechos de sucessos estrangeiros da música eletrônica. Um exemplo é "Brega do Tupinambá", de 2001, que cita a aparelhagem Tupinambá na letra, e traz um teclado que reproduz o hit "Better Off Alone", de Alice DeeJay. Segundo o artista, o primeiro tecnobrega da história é "Tecnotupinambá", lançada no início dos anos 2000.

A partir dali ele lançou diversas músicas com essa estética, muitas feitas sob encomenda para equipes de aparelhagem. "Todas com introduções internacionais para dar aquele charme", ele diz.

O tecnobrega, diz Rêgo, "é a fusão do brega paraense com a música americana". "É o brega e o calipso modernos, mais acelerado, com instrumentais e sons futuristas."

A partir de 2002, o tecnobrega se diversificou, ganhou subgêneros e vertentes. Nomes como a banda Fruto Sensual, Xeiro Verde, Beto Metralha, Tecno Show, comandada por Gaby Amarantos, e Maderito, entre muitos outros, fizeram parte desse momento da história do gênero, que ganhou fama nacional. Segundo Zek Picoteiro, mais importante do que fazer um "teste de DNA" no tecnobrega, é entender o que essa história representa. "Num contexto de escassez da virada do milênio, no norte do Brasil, nas beiras de rios e estradas inacabadas, nas periferias das metrópoles em condições sociais precarizadas, surge um gênero altamente tecnológico, original, autêntico, que traduz o mundo globalizado para o nosso sotaque."

 

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