Por: Aldo Tavares | professor-mestre em Filosofia

MORA NA FILOSOFIA: Papo com Jean Baudrillard

Jean Baudrillard, filósofo | Foto: Reprodução

Encontrar pessoas é encontrar palavras, e eu as encontrei na França, onde, na adega Le Vintage, ao lado da Catedral de Notre-Dame de Reims, entrevistei o muito reservado Jean Baudrillard para falar, entre um gole e outro de vinho, sobre deepfake. Em 6 de março, Baudrillard fará 95 anos, continua muito bem fisica e mentalmente.

Por que você retornou à sua cidade natal?

Ela me dá paz, além de ser o melhor lugar para tomar vinho.

Vem aí um novo livro?

Sim. Não sei quando concluo.

É sobre...

Deepfake.

Esse nome não havia na época, mas seus livros já pensavam o fenômeno há mais de 40 anos.

Deepfake é simulação, e a simulação é pensada desde Platão, ou seja, para entender o ato de simular, é preciso ler o filósofo grego.

Fale um pouco disso.

Em 1981, publiquei na França "Simulacres et simulation", onde digo que simular é fingir ter o que não se tem, por exemplo, quem finge uma doença pode simplesmente se meter na cama e fazer crer que está doente e, ao se fazer crer, simular é mais complicado: não é fingir, pois alguém crê na doença do fingido; mas é também fingir, pois o fingido sabe que não existe a doença. A simulação encontra-se entre o-que-é-e-o-que-não-é ou entre o-que-tem-e-o-que-não-tem. A simulação está entre-dois signos desiguais, sendo nem um nem outro.

E atualmente?

É o mesmo fenômeno, só que seu raio de ação hoje ampliou-se de forma devastadora, porque agora a ausência se finge presença por meio da máquina chamada, erroneamente, de inteligência artificial, sendo disseminada em rede, em tela, é neurossimulação. Se a situação tornou-se pior, é por causa, diria Foucault, dos dispositivos ou, diria Deleuze, dos agenciamentos.

O que mudou foi o alcance, ele é bem maior.

Além da circulação bem mais ampla, tornou-se bem mais rápida. Em segundos, a vida de uma pessoa é destruída em vasta escala pelo que ela nunca fez.

Por que circulação da ausência?

Simular é fingir ter o que não se tem, e o deepfake, ao fazer circular o que uma pessoa não fez, faz circular ausência, falta, enfim, circula o falso. O-que-não-é é o mesmo que ausência, mas a simulação faz circular o-que-não-é como sendo o-que-é. O-não-ser-é, isso é a potência do falso.

Não há mais sentido.

É informação puramente instrumental, medium técnico que não implica qualquer finalidade de sentido e, portanto, que não pode ser sequer implicada num juízo de valor. Enquanto informação, o deepfake devora o próprio conteúdo, a comunicação e o social.

E o real?

O que circula em rede é o que está entre real-e-não-real, isso é simulação, o que proporciona a potência do falso, e o falso não se opõe à verdade, como acredita o senso comum, mas é o outro da verdade, não podendo haver, portanto, a distinção de dois polos antagônicos. Estamos na simulação, ou seja, na manipulação absoluta.

 

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