Zeca Pagodinho celebra 40 anos de carreira vivendo a nostalgia do Rio e do samba

'No subúrbio, a gente vivia no meio de tudo'

Por Lucas Brêda (Folhapress)

Zeca Pagodinho: 'Deixaram chegar nesse ponto. As crianças sem escola, sem comida'

Zeca Pagodinho está atarefado. Atende ligações e conta dinheiro para fazer um pagamento enquanto dá entrevista - algo que notoriamente odeia, só menos do que posar para fotos. Em uma das unidades do Bar do Zeca, temático sobre o sambista, na Barra da Tijuca, ele brinca que a última vez que ganhou no jogo do bicho foi há uma semana, mas pouca coisa, só R$ 900.

De muitas maneiras, Zeca continua o mesmo. Prepara o início da turnê de 40 anos de carreira, a começar pela gravação de um show no estádio Nilton Santos, o Engenhão, em 4 de fevereiro. O repertório é aquele consagrado por ele, com participações de parceiros antigos, caso de Alcione, Seu Jorge, Jorge Aragão, Xande de Pilares, Diogo Nogueira e Marcelo D2, e novos, como Djonga.

Mas seu entorno mudou. A malandragem, ele diz, era diferente de quando Beth Carvalho o alçou de partideiro e compositor frequente nas rodas de samba do Rio a intérprete, no começo dos anos 1980, dando início à carreira de quatro décadas, uma das mais bem-sucedidas da história da música brasileira.

"Até na maneira de conversar", diz. "Malandro antigamente não falava 'a gente vamos. Os caras sabiam falar. Liam. [O pessoal do bicho] também. No subúrbio, a gente vivia no meio de tudo."

Esse Rio de Janeiro de malandros boêmios e românticos, e seus causos, se transforma em poesia nos versos de Zeca desde os tempos das rodas de samba às quartas-feiras no Cacique de Ramos. Mas a Cidade Maravilhosa, ele diz, também não é mais a mesma.

"Tudo está muito mais violento", diz. "Eu ia [ao morro da] Mangueira, casa de Tia Zica, mas morreu ou sumiu todo mundo. Não dá. [Não vou mais] também por causa da violência. Tinha um mocotó na quarta-feira, aí vinha um com um pandeiro, fazia um samba. A boca ficava num lugar lá no canto. Hoje parece que a boca é o morro inteiro."

Para Zeca Pagodinho, é uma mudança em curso já de uns 20 anos para cá, e "parece que vai piorar". "Não consigo ver uma coisa boa. Acho que ninguém consegue", diz. "Deixaram chegar nesse ponto. As crianças sem escola, sem comida. Tinha um amigo meu que falava que a fome não tem amigo. Onde a fome chega, a violência chega junto. E sem educação."

É dessa época de mocotó e samba no morro que datam uma parte das centenas de fitas cassete que Zeca redescobriu em sua casa na pandemia. Elas contêm gravações de músicas e conversas, mas deixam o sambista nostálgico a ponto de evitar mexer no arquivo em busca de composições inéditas.

"Me dá tristeza, porque foi um tempo muito bom", diz. "Muita gente já morreu. Aí tem lá as nossas conversas. Aí alguém toca um negócio e diz, 'lembra daquele samba?', 'fiz esse samba essa noite'. Era assim. Ligava e ia gravando. Coisa de 30, 40 anos atrás."

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