Por: Tito Guedes (Folhapress)

Zeca Pagodinho faz do Engenhão um Cacique de Ramosgigante

Apesar da megaestrutura, Zeca conduziu o show com simplicidade e descontração | Foto: Vera Donato/Divulgação

O Engenhão se transformou na quadra do Cacique de Ramos quando Diogo Nogueira, Jorge Aragão, Xande de Pilares e Pretinho da Serrinha foram convidados para uma roda de samba montada no centro do palco. A espontaneidade típica dessas reuniões ficou evidente quando Zeca Pagodinho e Jorge erraram a entrada da primeira música e se confundiram ao informar quem tinha feito a primeira gravação da música. "Acho que a Alcione gravou", arriscou Jorge. "Ela gravou?", perguntou Zeca, entre risos.

A chuva cessou poucos minutos antes do início do show de Zeca Pagodinho no último domingo (4) no Estádio Nilton Santos, o Engenhão. O evento celebra o aniversário de 65 anos de vida e 40 de carreira do sambista, e marca a estreia de uma turnê que irá percorrer outras cidades brasileiras ao longo do ano.

A apresentação no Engenhão insere Zeca Pagodinho na nova tendência de mercado da música — a de megashows e turnês grandiosas. Jão, Ludmilla e Ivete Sangalo, por exemplo, também vão passar 2024 em cima de palcos de proporções exorbitantes.

O curioso é que, diferente desses outros três artistas, acostumados às pirotecnias próprias do mundo pop e dos grandes espetáculos, Zeca Pagodinho mantém uma postura quase oposta a gradiloquências. Sua presença é de uma simplicidade quase radical, sem firulas ou marcações excessivas. O gênero em que se consagrou, o samba do Cacique de Ramos, é mais comum em casas de show, quadras e rodas tradicionais.

Mas foi justamente esse contraste que fez o show funcionar. Ainda no início da apresentação, Zeca interrompeu a gravação do DVD para coçar o pé e arrancou risadas do público. "Vocês podem coçar o pé à vontade, eu preciso pedir licença", ele disse, antes de cantar mais um clássico acompanhado em coro pelos fãs.

Na prática, o show começara horas antes, no fim da tarde, enquanto Pretinho da Serrinha e sua roda de samba aqueciam o público que entrava no estádio, já abatido pela chuva. Um dos mais animados era o próprio Zeca Pagodinho, que, sem cerimônias, subiu ao palco antes da hora para se divertir com os amigos.

Uma hora antes do horário previsto para o início do show, a chuva apertou e parte do público esvaziou a pista para se abrigar no interior do estádio. A apresentação começou vinte minutos depois do horário prometido.

O telão projetou nomes de diversos músicos importantes para a história do samba ou para a trajetória de Zeca, como Martinho da Vila, Jovelina Pérola Negra, Monarco, Arlindo Cruz e, claro, Beth Carvalho. Beth, a "madrinha" de Zeca, foi relembrada logo na primeira música, "Camarão que Dorme a Onda Leva", que o lançou como compositor há 40 anos.

Na sequência, Zeca enfileirou uma série de sucessos de diversas épocas, como "Ser Humano", "Vai Vadiar", "Quando a Gira Girou", "Mais Feliz" e "Judia de Mim". Em quase todas o cantor conferiu a letra no teleprompter.

 

Show marcado pela espontaneidade e comunhão com o público

Zeca Pagodinho espalhou alegria durante show que celebrava seu aniversário e abriu a turnê comemorativa dos 40 anos de carreira | Foto: Vera Donato/Divulgação

O maestro Rildo Hora - diretor musical de Zeca há vários anos - foi ovacionado pelo público ao entrar para tocar flauta em "Lama nas Ruas", parceria de Zeca com Almir Guineto. Marcelo D2, pioneiro em estabelecer a ligação entre o rap e o samba já nos anos 1990, entrou para cantar "Minha Fé", enquanto Djonga, expoente da nova geração do rap, fez a oração de São Jorge em "Ogum".

O show esquentou de verdade depois da roda de samba. Àquela altura Zeca já estava com outra roupa e — mais importante — sapatos mais confortáveis, o que pareceu melhorar seu humor. O público do setor VIP levantou-se das cadeiras e se aproximou ainda mais do palco, e assim permaneceu até o fim do show, que não teve nenhum momento morno dali em diante.

A roda de samba foi também o número mais longo com os convidados especiais. Quase todas as outras participações foram aparições relâmpago, sem muita interação com Zeca — talvez pelo tempo cronometrado da transmissão ao vivo. Marcelo D2 e Djonga, por exemplo, evocaram a relação do rap com o samba em canções que evidenciam a religiosidade de Zeca, mas poderiam ter sido mais impactantes. A mesma coisa aconteceu com Seu Jorge, um dos mais aplaudidos pelo público — permaneceu menos de cinco minutos no palco para cantar alguns versos de "Saudade Louca".

A participação mais bem aproveitada, que resultou em um dos pontos altos da noite, foi a de Alcione. Nos primeiros acordes de "Mutirão do Amor", Zeca perguntou à banda: "É ela?". Parte do público pareceu adivinhar de quem se tratava e começou a aplaudir. Quando Alcione entrou no palco, a plateia serviu a maior ovação da noite. Ela e Zeca esbanjaram química e carinho mútuo ao cantarem abraçados um ao outro. A união deu tão certo que Alcione foi convencida a apresentar mais uma música. Só deixou o palco depois de cantar, por sugestão do próprio Zeca, "Sufoco", um de seus maiores sucessos.

A última convidada especial a subir no palco foi Iza. Ela cantou "Cadê Meu Amor?" em dueto com Zeca, mas depois permaneceu em cena e fez as vezes de passista durante a música seguinte, "Seu Balancê".

Encerradas as participações, Zeca enfileirou nova série de sucessos infalíveis: "SPC", "Coração em Desalinho" (em homenagem ao compositor Monarco), "Deixa a Vida me Levar" e Verdade". O cantor encerrou o show com "Bagaço da Laranja", quando convidou sua família para subir no palco com ele. Agradeceu ao público do Engenhão rodeado por netos, filhos e filhas.

O resultado foi um show marcado pela espontaneidade e a comunhão com o público. Zeca errou várias entradas, tropeçou em diversas letras e até desistiu de cantar uma música enquanto ela já estava sendo executada. Mas nada disso soou fora do lugar ou pareceu incomodar ao público, que riu e aplaudiu até os pequenos equívocos. Afinal, ninguém espera a perfeição exaustivamente ensaiada de Zeca Pagodinho. O público estava ali para sambar ao som de seus maiores sucessos, e foi isso que ele recebeu.

Zeca Pagodinho deixou o palco do Engenhão com mais um ano de vida e 40 de carreira no samba com consagração popular e de mercado semelhante à de gigantes do pop como Jão e Ivete Sangalo. Mas certamente com sapatos mais confortáveis.

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