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Um álbum de intérprete com 'I' maiúsculo

Intérprete de muitos recursos, Nasi extrapola o conceito de álbum de covers no excelente 'Rocksoublues' onde se faz acompanhar por músicos de várias escolas e estilos | Foto: Ana Karina Zaratin/Divulgação

Pelo nome de Marcos Valadão, ele pode passar despercebido em inúmeros lugares. Mas com seu apelido, Nasi, é reconhecido e celebrado com um um dos melhores e mais inventivos cantores do pop rock brasileiro.

Mas Nasi não é só o carismático vocalista do Ira!. Fora da banda que fundou com Edgard Scandurra, ele é um artista talentoso e visionário. Parte desse ecletismo chega ao grande público com "Rocksoulblues", um vigoroso trabalho solo, seu nono trabalho sem a banda.

"Rocksoulblues" traz oito faixas, a maioria composta ou interpretada por artistas que Nasi sempre admirou, como Zé Rodrix, Tim Maia, Erasmo Carlos, Jerry Lee Lewis e Martinho da Vila, gravadas em versões surpreendentes e completamente diferentes das originais. Ecletismo puro.

"Essas são canções que eu sempre quis gravar fora das amarras de uma banda fixa. Este é, com certeza, meu disco onde o lado intérprete é mais explorado, pois não é um band leader que está ali", explicou Nasi em depoimento recente ao podcast Musikat.

Nasi conta que o projeto foi desenvolvido com muita calma, tendo começado em 2022 e sendo concluído em setembro do ano passado. E Nasi teve o cuidado de trabalhar com músicos e produtores diferentes a cada faixa, justamente para dar personalidade e legitimidade a cada um dos estilos escolhidos. "Não queria um disco em que uma banda de rock tocasse estilos como o blues ou soul", detalha.

O álbum confirma a altíssima qualidade do trabalho desse músico que, nos anos 1980 já enxergava a força e importância do hip hop paulistano, produzindo a influente coletânea "Hip Hop Cultura de Rua", que revelou nomes como Thaíde e DJ Hum, MC Jack e Código 13. Esse flerte de Nasi com essa sonoridade preta e periférica já se dava no cultuado álbum "Psicoacústica" (1988), um dos trabalhos mais experimentais e conceituais de sua geração.

Off-Ira!, Nasi deixou sua marca no pós-punk brasileiro com o grupo Voluntários da Pátria, montou o grupo Nasi e os Irmãos do Blues, que lançou três LPs de celebração à música de raiz norte-americana, especialmente dos gênios Muddy Waters e Howlin' Wolf. "O blues é minha alma! Eu canto melhor blues do que eu canto rock", costuma repetir o vocalista que, recentemente, voltou aos tempos de mod com um explosivo disco gravado com a banda Spoilers.


 

Um disco eclético e surpreendente

Nasi transforma as canções do álbum dando a elas novos significados | Foto: Ana Karina Zaratin/Divulgação

O disco abre com "Blues do Gato Preto", do próprio Nasi, um bluesão malemolente, cantado com a voz rascante e áspera de Nasi e com um clima de big band, animado pelos saxofones de Sax Gordon e pelos teclados de Johnny Boy, colaborador habitual de Nasi em sua carreira solo.

Depois, Nasi transforma "Devolve Meus LPs", de Zé Rodrix, num jump blues que parece ter saído de um clube enfumaçado de Kansas City ou Chicago, e tira do chapéu uma versão blues do clássico do Ira!, "Dias de Luta", com o guitarrista Igor Prado conjurando Stevie Ray Vaughan e Albert King.

As surpresas continuam com a versão matadora de "Não Te Quero Santa", composta por Vitor Martins, Sérgio Fayne e Saulo Nunes e gravada originalmente pelo Tremendão em seu clássico LP "Carlos, Erasmo" (1971). É a primeira de três faixas gravadas no disco pela excelente banda liderada por Marcelo Sussekind e que tem Sergio Melo (bateria), Sergio Morel (guitarra) e Sergio Villarim (teclados), além do próprio Sussekind no baixo.

Em seguida vem "Não Vá Me Machucar", adaptação - com letra de Nasi - de "Rollin' and Tumblin'", clássico blues norte-americano gravado em diferentes versões por vários bluesmen dos anos 1920 e mais conhecido pela versão eternizada por Robert Johnson em 1936, com o título de "If I Had Possession Over Judgment Day". Aqui, a canção ganha uma roupagem moderna e dançante, com as participações do produtor Apollo Nove e os "scratches" de DJ Hum. É a conexão blues-hip hop-eletrônico.

E quem mais, senão Nasi, poderia transformar em country western o samba "O Caveira", famoso na voz de Martinho da Vila? A nova versão ganha companhia luxuosa da cantora Nanda Moura, que divide os vocais com Nasi nesse dueto divertido. O cantor depois solta a voz e presta tributo a um de seus grandes ídolos, Tim Maia, na suingada "O Que Você Quer Apostar?", abrilhantada por um solo de guitarra memorável de Sergio Morel.

"Rocksoulblues" encerra com "Rosa Selvagem", versão de "Ramblin' Rose", originalmente um country-blues gravado em 1962 por Jerry Lee Lewis e transformado, em 1969, num míssil proto-punk pela banda MC5 em seu LP de estreia, o clássico "Kick out the Jams". A versão de Nasi emula o MC5 e é o encerramento perfeito para um disco tão festivo.

"Rocksoulblues" não é um simples "disco de covers", daqueles em que o artista se limita a regravar músicas que gosta. É um LP de intérprete, em que Nasi transforma e dá a sua cara a músicas que o influenciaram. É um disco eclético e surpreendente. Um disco com a cara do Nasi.

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