Por: Vicente Vilardaga (Folhapress)

Arrigo Barnabé nas iscas de Itamar Assumpção

Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção juntos em imagem dos anos 1990 | Foto: Reprodução

Tem biscoito fino para as massas. Arrigo Barnabé acaba de gravar um álbum em que homenageia seu amigo, o músico Itamar Assumpção, morto em 2003. O nome provisório do projeto, um vídeo gravado pelo selo Atração no espaço cultural Centro da Terra, é "Arrigo Trisca Visitam Itamar".

São 13 faixas e mais uma introdução em que Arrigo, uma das cabeças da vanguarda paulistana, escreve uma carta e simula um diálogo com Itamar, que foi seu parceiro por décadas. O produto, que pode chegar ainda em outros formatos, chega ao público no início de abril e está previsto um show para 1º de maio.

A "trisca" é composta por Paulo Lepetit (arranjos, baixo e vocal), Jean Trad (guitarra e vocal) e Marco de Costa (bateria e vocal). Os três, em algum momento, participaram da banda Isca de Polícia, que acompanhava Itamar, mas nunca estiveram juntos em um mesmo trio.

A partir do convite de Lepetit, Arrigo embarcou no projeto, que combina com a carreira de intérprete que tem cultivado na última década. Fez shows cantando composições de Lupicínio Rodrigues, em 2014, e de Roberto e Erasmo Carlos, em 2019, preservando as linhas melódicas da maioria das canções, mas impondo sua teatralidade e seu tom gutural.

O projeto previa um repertório de sambas, mas o trabalho evoluiu para algo diverso, com fusões de ritmos e experimentalismos, em parte pela influência de Arrigo, mas também pelos arranjos de Lepetit. Sempre se considerou fazer algo que pertencesse a um certo "universo" de Itamar, que respeitasse a identidade do artista e suas ideias sobre música.

"O que eu destaco é a linguagem que a gente conseguiu. Ela já vem da Isca de Polícia lá atrás. E essa união com o Arrigo criou uma coisa nova", afirma Lepetit. "A gravação tem esse sentido de álbum, eu estou chamando de álbum-vídeo. Trata-se de uma obra integral, com começo, meio e fim, como tinham os discos nos anos 1970 e 1980."

O projeto começou em 2022 e o repertório foi apurado ao longo de seis apresentações em palcos do Sesc. Nesse processo, as composições foram mudando. "Na Cadência do Samba" virou um punk samba, enquanto "De Mais Ninguém", de Marisa Monte e Arnaldo Antunes, ganhou uma introdução a la Ray Conniff.

Ao todo, são seis composições de Itamar, além de dois sambas de Nelson Cavaquinho - "Quando me Chamar Saudade" e "Luz Negra" -, dois de Ataulfo Alves - "Errei Erramos" e "Na Cadência do Samba", que Itamar gravou -, além de composições de Arrigo - "Maldição", em parceria com seu irmão Paulo Barnabé, e "Sentido do Samba", com Sérgio Espíndola.

Mesmo o clássico Itamar, "Nego Dito", acabou se fundindo com "Clara Crocodilo", de Arrigo, criando uma espécie de conversa entre duas grandes obras. "Sempre pensei em fazer um encontro do 'Nego' com o 'Clara'. Aí eu e o Paulinho [Lepetit] começamos a trabalhar em cima disso, buscando conseguir uma levada que fosse e mesma", diz Arrigo.

Quanto a "Fico Louco", Arrigo lembra que adorava cantar a música nos tempos em que morou com Itamar. Segundo ele, todo o processo de feitura do álbum envolveu muito diálogo entre os participantes, todo mundo dava algum palpite.

Para Arrigo, o projeto tem um peso emocional. "Minha mãe fazia as roupas que o Itamar usava nos festivais, fazia comida para ele, a gente tinha uma convivência muito forte", diz. Conheceram-se no início dos anos 1970, quando participavam de eventos de música e teatro em Londrina, no Paraná.

Itamar nasceu em Tietê (SP), mas cresceu em Arapongas (PR). "Em março de 1973, os músicos da região de Londrina decidiram fazer uma mostra e o Itamar participava. Fizemos shows, ele cantava músicas do Milton Nascimento, além das próprias composições", diz Arrigo.

O cantor chegou em São Paulo em 1974 e tinha dúvidas sobre a carreira musical e treinava futebol no Juventus. Arrigo lembra, porém, que naqueles dias Itamar foi fazer um teste e retornou desolado, dizendo que não iria mais jogar. "O pior cara lá é melhor do que eu", disse. "Vou ser músico mesmo".

Mudou-se para uma casa na Bela Vista junto com dois amigos, Guará (Ricardo Rego) e Rubão (Rubens Brando). Depois de uns meses, Arrigo foi morar lá. Nessa época, Arrigo, Itamar, Eliete Negreiros, Antônio Tonelli e o irmão de Arrigo, Paulo Barnabé, fizeram um show chamado "Coração de Árvore" em Londrina e Curitiba. "O Itamar já cantava o Clara no show e eu tocava a Luzia", lembra.

Prisão em boteco

Arrigo lembra também que os dois foram presos juntos num boteco. A polícia entrou no bar, começou a pedir documentos e viu que Itamar tinha uma maço de cigarro no bolso. Mandaram ele dar o maço e quando tirou do bolso caiu uma bagana de fumo de corda, que ele enrolava com papel.

"Itamar era muito careta, não fumava maconha, não bebia, era atleta", conta Arrigo. A polícia não quis saber e colocou o grupo no camburão. Ficaram três horas rodando pela cidade até irem para uma delegacia às 3h da manhã. "O Itamar ficou apavorado", afirma. "Sorte que o cara que cuidava das celas não era de tendência maligna e a gente acabou saindo no dia seguinte."

Quando pensa no projeto atual em homenagem ao amigo, Arrigo vê uma forte relação com o jeito que Itamar tinha de pensar sua música e o desenvolvimento dos seus discos. "Ele tinha uma ideia de evolução em tudo, nos arranjos, mexia o tempo todo nos arranjos, e tinha muito essa característica de perceber as camadas das coisas", diz. Também costumava dizer, segundo Arrigo, que não era um cara de vanguarda e sim popular, mas nunca conseguiu furar o bloqueio das grandes gravadoras. De qualquer maneira, seu trabalho foi recompensado.

"Veja como ele foi gravado por muitos artistas e como a geração mais nova tem muito interesse por ele", afirma.

 

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