Por: André Barcinski (Folhapress)

Um tributo gigante (e gentil) ao Tremendão

Erasmo Carlos morreu antes de conluir um novo álbum, deixando apenas três faixas. O restante do álbum-tributo 'Erasmo Esteves' vem de um caderno de versos deixados pelo compositor que foram musicados por artistas da nova geração | Foto: Divulgação

Menos de dois anos após a morte de Erasmo Carlos, o Tremendão é homenageado com uma série de relançamentos e com um álbum de músicas inéditas. Quando morreu, em novembro de 2022, aos 81 anos, Erasmo estava trabalhando com o diretor artístico Marcus Preto em um novo disco. Chegou a completar três faixas, mas sua morte deixou o disco inacabado.

Marcus Preto, o produtor Pupillo Oliveira e o filho de Erasmo, Léo Esteves, completaram o disco usando anotações e versos que Erasmo guardava em cadernos. Esse material serviu de base para que compositores como Tim Bernardes, Nando Reis, Roberta Campos e Arnaldo Antunes finalizassem as canções, gravadas por Xênia França, Emicida, Chico Chico, Russo Passapusso e o próprio Tim Bernardes.

O disco, chamado "Erasmo Esteves", acaba de sair pela Som Livre. "Esses cadernos do meu pai eram meio bagunçados", conta Léo Esteves, que há mais de 30 anos cuida com carinho e dedicação da obra do pai, chamado pelos amigos de Gigante Gentil. "Ele escrevia versos e cartas para minha mãe [Narinha], mas no meio ele também anotava listas de compras, essas coisas."

Para fãs da obra de Erasmo, a Som Livre acaba de relançar, no Youtube, uma série de seis LPs e seis compactos, que abrangem a carreira do artista durante o período da Jovem Guarda: "A Pescaria" (1965), "Você me Acende" (1966), "Erasmo Carlos" (1967), "O Tremendão" (1967), "Erasmo Carlos" (1968) e "Erasmo Carlos e os Tremendões" (1969). Os LPs foram originalmente lançados pela RGE, selo que depois foi comprada pela gravadora Som Livre.

Esses discos são importantes não só porque registram a época de Erasmo na Jovem Guarda, mas também por demonstrarem, se ouvidos cronologicamente, o gradual descolamento dele do som escapista e até ingênuo do movimento, em direção a uma música mais complexa e multifacetada. É óbvio, comparando "A Pescaria" com "Erasmo Carlos e os Tremendões", que o cantor estava decidido a mudar de rumos.

"Meu pai sempre dizia que - Erasmo Carlos e os Tremendões - era o disco mais importante da carreira dele", diz Léo Esteves. "Foi um disco marcante. Ele estava se mudando de São Paulo para o Rio [o programa da Jovem Guarda era filmado nos estúdios da TV Record, em São Paulo], e começando a conhecer o pessoal da Tropicália, uma turma mais moderna, e isso reflete no disco."

De fato, "Erasmo Carlos e os Tremendões" é um disco muito distante da Jovem Guarda, incorporando samba, samba-rock, psicodelia, bossa nova, e marca o rompimento do artista com o movimento jovem que o revelou ao país. Essa cisão se aprofundaria logo depois, quando Erasmo saiu da RGE e assinou com a Philips, gravadora mais moderna e "pra frentex" da época, casa de todos os tropicalistas, Jorge Ben Jor e Raul Seixas.

A Philips era comandada por André Midani (1932-2019). Em uma entrevista a Ruy Castro, publicada na revista Playboy, Erasmo falou de sua ida para a gravadora, em 1971. Na época, o cantor passava por um momento de ostracismo. A Jovem Guarda tinha acabado e seus integrantes eram malhados pela crítica e por outros artistas, que os recriminavam por ter feito música comercial e considerada de baixa qualidade.

Liberdade plena

"O André Midani me levou para a Philips, me deu plena liberdade e me disse: 'Você vai gravar o que quiser, com quem quiser, da forma que quiser". O primeiro disco de Erasmo na gravadora foi o audacioso "Carlos, Erasmo", com influências de samba-rock, soul music e rock psicodélico.

A Jovem Guarda acabou, mas Erasmo sobreviveu e criou uma obra das mais importantes do pop-rock brasileiro. Também deu sorte de ter, no filho, um caso raro de herdeiro que entende a importância de divulgar essa obra para as novas gerações.

Por cerca de 30 anos, Léo Esteves criou, com o pai, diversos projetos - discos, shows, tributos - que ajudaram a manter a música de Erasmo no lugar que destaque que merece.