CRÍTICA FILME - MEGALÓPOLIS: Um Coppola sem medo do risco, do excesso, do ridículo, do tempo
Entre todos os concorrentes do 77° Festival de Cannes, o título que mais chamava atenção e mais mobilizava apostas é uma produção idealizada há quase quatro décadas, cujo diretor, hoje com 85 anos, tem duas Palmas de Ouro em seu currículo. O cineasta em questão: Francis Ford Coppola. O tal longa-metragem tão esperado: “Megalópolis”. Enfim, na tarde desta quinta-feira, a expectativa foi aplacada, mas com sabor de controvérsia. É um exercício autoral de risco absoluto, mas que beira a extravagância, resvalando no excesso e até na caricatura. Mas sua dimensão poética é inegável. A música de Osvaldo Golijov é um dos raros pontos em que o filme não gera dissonância de opiniões, assim como a atuação de Giancarlo Esposito no papel do prefeito de uma Nova York apresentada como Nova Roma.
Depois do fenômeno “Oppenheimer”, que faturou US$ 972 milhões e conquistou sete Oscars, a indústria do audiovisual anseia por um longa voltado para plateias adultas, com temática de tons polêmicos, que possa faturar muito e alcançar prestígio. Há duas semanas, quando as primeiras imagens do experimento de Coppola foram divulgadas, sua superprodução passou a ser encarada como esse potencial sucesso pelo qual Hollywood tanto anseia. Porém, depois de Cannes as certezas não são unânimes. Há quem define a película como um tropeço e há quem veja nela um poema com absoluta liberdade narrativa. Mas ninguém fala em obra-prima.
Nos EUA, os estúdios da Meca do cinemão não se mobilizaram para dar apoio ao diretor de ‘O Poderoso Chefão” (1972) em seu projeto quase faraônico, orçado em cerca de US$ 120 milhões e bancados do seu próprio bolso, com o dinheiro de suas vinículas. Inicialmente, Paul Newman (1925-2008) seria seu protagonista. Depois, falou-se em Kevin Spacey. Acabou que o papel principal ficou com Adam Driver.
No teaser divulgado pela American Zoetrope, a produtora de Coppola, o personagem de Driver caminha sobre o teto de uma construção nababesca e observa os céus de sua cidade até que, prestes a cair, ele consegue parar o tempo com uma palavra de ordem, estalando o dedo para que tudo volte a funcionar. O tal personagem é Cesar Catilina, um arquiteto Prêmio Nobel, definido como cientista com poderes especiais cujo sonho é construir um mundo utópico. Toda a trama faz referência explícita ao Império Romano, desde os nomes dos personagens até diálogos em latim na narração feita por Laurence Fishburne.
Cesar é uma figura controvertida, com um histórico afetivo traiçoeiro que inventou uma substância, o Megalon, para salvar sua mulher da morte. É com esse elemento que ele almeja criar uma NY perfeita, apesar de o alcaide do local, Cícero (Esposito), discordar de seus atos. A peleja deles é narrada com muita experimentação e até com imagens documentais. Num dado momento da projeção de Cannes, uma pessoa subiu no palco e se dirigiu à tela. É um exercício do chamado “cinema ao vivo”. A pessoa simulava ser um entrevistador que se dirigia a Cesar, na tela, numa conversa tridimensional, como se fosse em tempo real.
Idealizada por Coppola em 1977, esboçada como projeto em 1983 e retomada em 2019, a trama de “Megalópolis” conta com um elenco de peso, que reúne Dustin Hoffman, Jon Voight, Aubrey Plaza, Nathalie Emmanuel, Shia LaBeouf e Talia Shire (irmã do cineasta). As filmagens aconteceram em 2022 e 2023, nos estúdios Trilith, em Atlanta,na Geórgia.